- Qual é a primeira sensação, ou o primeiro sentimento, que te atinge, quando pensas no dia 25 de Abril de 1974?
A Vera fecha os olhos.
- Medo.
Depois
de um curto silêncio, digo:
-
Compreendo. Será assustador, para uma criança, ver militares armados e carros
de combate pelas ruas…
A Vera abre os olhos:
- Não.
A culpa não foi dos militares que nos trouxeram a liberdade. A culpa foi da estúpida
da minha professora primária.
A aula não tinha começado há muito tempo, quando a mestra foi chamada à Diretora. Ao regressar, lançou, muito aflita, a caminho da sua secretária e sem olhar para as alunas:
- Ide-vos
embora, para casa, hoje não há escola!
Além de
ansiosa, parecia muito irritada. Nas meninas, a perplexidade. Perguntavam-se se
tinham aterrado no filme errado. Aquele dia havia começado igual aos outros e,
de repente, dava-se uma viragem que não estava prevista no guião.
- Não
me ouvistes? Guardai as vossas coisas e ide para casa!
A
Vera não sabia se a professora fingia aquela aflição, ou se estava realmente
borrada de medo. O certo é que as alunas, já muito inquietas, desejavam uma
explicação daquela em quem confiavam. Mas ela, atrás da secretária, arrumava os
seus pertences.
– Isto até pode dar em guerra… Não sei. Não sei o que se
vai passar. Uma chatice, uma grande confusão. Ide para casa!
Desandou
dali, abandonando-as à sua sorte.
Gostei da descrição. Imagina a quantidade de histórias que há desse dia...
ResponderEliminarSem dúvida, Vespinha!
ResponderEliminarHá aquela ideia de que, ao saber da revolução, toda a gente jubilou. Talvez não tenha sido bem assim. Muita gente terá ficado com medo, ou sem saber bem o que fazer, ou o que pensar. E talvez, hoje, isto soe estranho, mas havia inclusive gente (adultos) que nem sabia que vivia numa ditadura!
P.S. Escrevo estes posts, normalmente, na terceira pessoa, na perspetiva de uma personagem imaginária. Mas as experiências vividas por mim, ou não, são reais.
A menina eras tu? :)
ResponderEliminarNeste caso, sim.
ResponderEliminarA minha porfessora primária ignorou o 25 de Abril, até o pai de uma colega minha ir lá reclamar, passado semanas, por ela manter os quadros de Caetano e Tomás pendurados na sala de aula!
E mesmo depois disso, tudo continuou na mesma. A revolução não entrava naquela sala de aula, apesar de ser um pré-fabricado, de paredes finíssimas...