Em todos os momentos da História, seja na Antiguidade, na Idade Média, ou no nosso tempo, são as mesmas paixões e os mesmos desígnios que inspiram os humanos. Entender a História é entender melhor a natureza humana.

14 de julho de 2017

Os Cachorros / Os Chefes





Este foi o primeiro livro que li de Mario Vargas Llosa e confesso que me custou a entrar na sua escrita. Talvez por os dois primeiros contos (dos sete que compõem esta obra) terem sido escritos durante a juventude do escritor nascido em 1936 e que viria a ganhar o Prémio Nobel em 2010. Os Chefes, de 1959, que aqui, curiosamente, surge em segundo lugar, foi a primeira obra publicada pelo escritor peruano; Os Cachorros, o primeiro conto desta série, data de 1967. Tanto num, como no outro, nota-se, a meu ver, a falta de amadurecimento do autor.

Em Os Chefes, achei a escrita arrogante, na medida em que o autor nos introduz num mundo que não conhecemos, sem o explicar, como se todos tivéssemos a obrigação de saber do que se trata. Deu-me a impressão de que Llosa escreve, acima de tudo, para si mesmo, o que entendo como um erro de principiante. Quando entrei no cenário - a revolta dos estudantes num colégio - comecei a apreciar o estilo, mas a escrita, de tão económica, mantém-se pouco clara até ao fim. Além disso, há imagens difíceis, ou mesmo impossíveis, de visualizar, como: «Tinha muito abertos os seus enormes olhos verdes e sorria» (p. 73).

Em Os Cachorros, Llosa adota o estilo que corre ao ritmo do pensamento, quase sem pontuação, a não ser as vírgulas, parecido com Saramago. É uma experiência interessante, mas penso que o autor não se sente muito à vontade para soltar o seu talento. A prova é que, nos outros contos, que se pautam pela pontuação tradicional, sobressaem as verdadeiras capacidades de Llosa. Também as “fraquezas” que apontei para Os Chefes desaparecem nos outros cinco contos. A escrita torna-se muito mais clara e concisa, o leitor pode concentrar-se mais no conteúdo, o que aumenta consideravelmente o prazer da leitura.

Todos os contos nos mostram uma sociedade violenta e machista, a sociedade sul-americana na qual o autor cresceu. É mesmo impressionante a violência que impera entre crianças e jovens do sexo masculino, um sistema pautado, desde cedo, pela concorrência e pela lei do mais forte, sem lugar para o sentimento, mesmo quando se está apaixonado. Todos os conflitos são resolvidos com agressividade e o correr de sangue, mesmo entre os estudantes mais novos. Como em O Deus das Moscas, somos levados a acreditar que é esta a prova de que os humanos são essencialmente cruéis, tese que eu contradigo, pois estas crianças e jovens já não são naturais, contaminados, desde o berço, por uma educação agressiva e desrespeitadora das suas necessidades e dos seus problemas. Sobre isso, porém, escreverei ainda noutro post.

Apesar de alguma desilusão nos dois primeiros contos, esta minha primeira leitura de Llosa acabou por me abrir o apetite para outras obras do autor. Gosto do estilo económico e conciso, mesmo que pressinta que estará marcado pela educação machista, que incluiu o internato num colégio militar. Não digo que Llosa não terá, mais tarde, alargado os seus horizontes, mas a base, penso, estará sempre lá.


5 comentários:

Sara disse...

O Llosa é um escritor fantástico, um pouco difícil às vezes mas vale a pena o esforço. Esse ainda não li, mas posso confirmar que as coisas tendem a ser um pouco violentas. O mundo é assim mesmo afinal de contas. Em relação ao machismo já li piores...Por essa ordem todos os autores masculinos teriam de ser necessariamente machistas visto que todos nasceram e viveram em sociedades assim. Ele é bastante irónico quando escreve sobre as instituições militares.

Anónimo disse...

¿Quién mató a Palomino Molero?
Genial!

Cristina Torrão disse...

Sara, eu, por acaso, não referi que o Llosa se limita a descrever, sem comentar, ou seja, o que ele descreve é um mundo machista, mas sem fazer a sua apologia, ou algo do género. Não usa, no entanto, qualquer ironia e as personagens femininas (quando as há) são pouco simpáticas, do estilo: só servem pata causar agruras aos rapazes e homens. Mas acredito que isso se modifique mais tarde. Como disse, estes contos são das primeiras coisas que escreveu.

Cristina Torrão disse...

"para" em vez de "pata", obviamente

Cristina Torrão disse...

Obrigada ao outro comentador pela sugestão.