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Então, agora, soltam-se assim os presos, sem mais nem menos?
Para a
mãe da Vera, uma prisão era uma prisão, um local onde se mantinham os
criminosos, impedindo-os de molestarem as pessoas de bem. Não sabia distinguir
prisões convencionais das políticas, onde se encarceravam pessoas, cujo único
«crime» fora lutar contra a ditadura.
Também
o pai foi atacado por um certo receio. Embora explicasse que aquela gente
estava presa por ter contestado o regime, perguntava-se, igualmente, se, no
meio deles, não estariam outro tipo de criminosos. Principalmente, os
comunistas assumidos causavam-lhe medo.
A pequena
Vera, porém, foi tomada por uma espécie de deslumbre, perante as imagens de
pessoas a serem recebidas por familiares e amigos, com abraços tão sentidos,
expressando tanta alegria. Não lhe parecia importante saber de que gente se
tratava. Encantava-a a maneira como manifestavam o amor, ou a amizade, que os
unia, extravagâncias que não se usavam em sua casa.
Sentiu
inveja! Sentiu desejo de estar no meio daquela multidão. Sentiu vontade de
surgir e de ter pessoas à sua espera, que a abraçassem com o mesmo calor. Eram
sensações que mal conhecia. Perguntava-se como podiam os seus pais desdenharem
de tais manifestações de alegria.
Muitos, encontravam-se presos, sem sequer terem algum dia lutado contra o governo. Simplesmente porque os patrões se queriam ver livres deles e denunciavam-nos - partindo do princípio que a palavra do patrão, valia inúmeras vezes mais que a do empregado.
ResponderEliminarOutros, geralmente grandes agrários, porque pretendiam comprar por "tuta-e-meia" as terras do vizinho.
Mil e uma razões que não tinham a ver com oposição ao regime, mas que foram tomadas por isso, espetaram com muita gente nos calabouços.
Nos idos de 60, o meu pai tinha um amigo de infância, dono de um estabelecimento comercial, pertencente à Brigada Naval e informador da PIDE, e, tal como o meu pai, era amante da pesca desportiva. O meu pai lia autores e obras, que nessa época eram interditos e tinha uma cultura política que denunciava o seu desagrado pela ditadura, por qualquer ditadura. O meu pai era um homem forte, tinha praticado diversos desportos, entre eles box.
Um belo dia, a meio de um concurso de pesca, encontrava-se sózinho com o tal amigo numa margem da vala de Santarém e o outro, aproveitando a situação, sentenciou-lhe: olha, eu sei que lês coisas perigosas e que falas contra o regime, e se não mudas de atitude e destrois os livros que tens, sou obrigado a denunciar-te.
O meu pai, que era uma pessoa extremente calma e pacífica, levantou-se, dirigiu-se ao amigo, pegou-o pela gola, levantou-o no ar e disse-lhe, olhos nos olhos: Se te queres manter vivo e manter a nossa amizade, não voltes a tocar nesse assunto, nem aqui, nem noutro lado qualquer.
Depois disto andou doente um bom par de dias, pelo facto de ter ameaçado com a vida, um semelhante e ainda para mais, amigo de infência.
A verdade é que continuou a ler os seus livros, a construir a suas ideias e opiniões, e nunca ninguém o incomodou por isso.
Obrigada por mais esta história, Bartolomeu. O teu pai teve problemas de consciência, mas näo há dúvida de que agiu corretamente, já que näo mais foi molestado.
ResponderEliminarSim, calculo que a possibilidade de prender pessoas por serem contra o regime fosse aproveitada noutros casos.Um bom tema para um livro ;)
Continuo a achar uma pena que sejas analfabeto ;)
ResponderEliminarEu, não sinto pena alguma. É optimo ser analfabeto. Em situações específicas, até pode ser uma vantagem.
ResponderEliminar;))