Em todos os momentos da História, seja na Antiguidade, na Idade Média, ou no nosso tempo, são as mesmas paixões e os mesmos desígnios que inspiram os humanos. Entender a História é entender melhor a natureza humana.

27 de agosto de 2016

O Meças




É-me difícil falar deste livro, assim como foi lê-lo. Gostei da sinceridade, do despojamento, da objetividade; incomodou-me a crueldade humana. O Meças põe a nu a desumanidade, sem precisar de cenas sanguinárias nem de holocaustos. Fala de gente que sofreu crueldades na infância e que, ao contrário do que muitos pensam, não as comete para se vingar, mas sim porque não aprendeu de outra maneira, ou porque as circunstâncias da vida não lhe mostraram alternativas.

A crueldade psicológica que cria medo nas vítimas, que as põe sob pressão, que finalmente as deixa apáticas, conformadas, deixa o leitor claustrofóbico, perguntando-se que drama esconderá a casa do próprio vizinho, ou refletindo nos seus próprios dramas. Este é um livro claustrofóbico, sentimo-nos presos como uma das personagens, sensação acentuada pela escrita de Rentes de Carvalho: seca, despojada, um tiro certeiro a cada bala.

O Meças aborda igualmente o tema da emigração, tão bem conhecido do autor, ele próprio emigrante há muitas décadas, o que também me tocou, pois me reconheci nalgumas passagens reflexivas que surgem já depois do final do romance:

«O emigrante perde sempre (…) no regresso não vai encontrar entusiasmo nem boas-vindas (…) não vai faltar quem lhe aponte erros e diferenças (…) De nada lhe servirá esforçar-se, dar prova de que pertence: o ninho rejeita-o. Mas a ninguém dará conta da sua tristeza e desespero: afivela a máscara do sorriso, finge boa vontade, cegueira, entra no coro, diz que sim, realmente: cá é que é, cá é que temos o solzinho, as praias, a boa comida» (p. 172).

Há dois narradores: um que nos conta a história do Meças na terceira pessoa e outro que fala na primeira, a fim de nos contar a sua vida e que talvez tenha algo de autobiográfico, já que nos dá conta da sua relação ambígua com Trás-os-Montes, a terra de origem da família do autor. Vem-se a descobrir que as duas personagens estão ligadas por parentesco, encerrando um segredo familiar.

«Há tragédias que obrigam a cortar de vez, há gente a quem só pertencemos pelo sangue, dão-se nas famílias casos terríveis, vergonhas, horrores que nada limpa» (p. 148).

Não é uma leitura que nos ponha bem-dispostos, mas ficam bem servidos aqueles que se interessam pelas facetas obscuras do comportamento humano.


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