É-me difícil falar deste livro, assim como
foi lê-lo. Gostei da
sinceridade, do despojamento, da objetividade; incomodou-me a crueldade humana.
O Meças põe a nu a desumanidade, sem
precisar de cenas sanguinárias nem de holocaustos. Fala de gente que sofreu crueldades na infância e que, ao
contrário do que muitos pensam, não as comete para se vingar, mas sim porque
não aprendeu de outra maneira, ou porque as circunstâncias da vida não lhe
mostraram alternativas.
A crueldade psicológica que cria medo nas vítimas, que as põe sob
pressão, que finalmente as deixa apáticas, conformadas, deixa o leitor claustrofóbico, perguntando-se que drama esconderá a casa do próprio vizinho,
ou refletindo nos seus próprios dramas. Este é um livro claustrofóbico, sentimo-nos presos como uma das personagens, sensação
acentuada pela escrita de Rentes de Carvalho: seca, despojada, um tiro certeiro
a cada bala.
O
Meças aborda igualmente
o tema da emigração, tão bem conhecido do autor, ele próprio emigrante há
muitas décadas, o que também me tocou, pois me reconheci nalgumas passagens reflexivas que surgem já depois do final do romance:
«O emigrante perde sempre (…) no
regresso não vai encontrar entusiasmo nem boas-vindas (…) não vai faltar quem
lhe aponte erros e diferenças (…) De nada lhe servirá esforçar-se, dar prova de
que pertence: o ninho rejeita-o. Mas a ninguém dará conta da sua tristeza e
desespero: afivela a máscara do sorriso, finge boa vontade, cegueira, entra no
coro, diz que sim, realmente: cá é que é, cá é que temos o solzinho, as praias,
a boa comida» (p. 172).
Há dois narradores: um que nos conta a
história do Meças na terceira pessoa e outro que fala na primeira, a fim de nos
contar a sua vida e que talvez tenha algo de autobiográfico, já que nos dá
conta da sua relação ambígua com Trás-os-Montes, a terra de origem da família do autor. Vem-se a descobrir que as duas personagens
estão ligadas por parentesco, encerrando um segredo familiar.
«Há tragédias que obrigam a cortar de
vez, há gente a quem só pertencemos pelo sangue, dão-se nas famílias casos
terríveis, vergonhas, horrores que nada limpa» (p. 148).
Não é uma leitura que nos ponha bem-dispostos,
mas ficam bem servidos aqueles que se interessam pelas facetas obscuras do
comportamento humano.
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