Em todos os momentos da História, seja na Antiguidade, na Idade Média, ou no nosso tempo, são as mesmas paixões e os mesmos desígnios que inspiram os humanos. Entender a História é entender melhor a natureza humana.

3 de junho de 2017

As Árvores Com Que Crescemos






Rapaziada e pastorinhos
Uns para ninhos
Os outros para alimentar o gado
Todos precisámos da tua abundante folhagem. Lembras-te

Que também vieram numa tarde de agosto mães e filhas
Que se sentaram afogueadas à tua sombra
Umas a fazer meia
E as outras a dobar meadas?

Este excerto do poema Romance do Velho Freixo é representativo do intuito da autora: mostrar, nos dias de hoje, como as árvores faziam parte da vida das pessoas, sempre presentes no seu quotidiano, mesmo nas manifestações religiosas:

Com o raminho de oliveira
Respingou a água benzida o Padre
E abençoou depois os quatro cantos da casa.

(In Um Raminho de Oliveira e Um Copo de Água Benta)

Ao recordar as cenas da sua infância, os poemas de Isabel Maria Fidalgo Mateus, acompanhados das lindíssimas ilustrações de Cristina Borges Rocha (como se vê pela capa), apelam igualmente ao preservar da Natureza, tão esquecida e, muitas vezes, maltratada.

O zimbro não é uma árvore qualquer…
Agora, já não cresce abundante, entre fragas,
Já ninguém lhe leva lanternas de azeite
Para lhe iluminar os ramos e anunciar as festas luminosas do Menino
Agora, já não fica com os pregos para lhe pendurarem luz no próximo ano
E perdeu a vez na hierarquia natalícia…
Mas, talvez, tenha ganho esperança no Futuro
Enquanto não vier fogo
Que lhe chamusque o toucado altaneiro
Ou lhe tragam os humanos outras e mais desavenças
E o consumam por inteiro,
Ao pinheiro de Natal.

(In Zimbro, o Pinheiro de Natal)

Esta preocupação ecológica está aliás patente no prefácio de Miguel Geraldes*, com o título Imaginário de Tempos Idos: «o interesse destes textos transcende largamente o âmbito literário, pois servem o propósito também nobre da sensibilização ambiental da realidade social portuguesa no início deste século XXI».

Já no fim, nas Notas Para o Novel Naturalista, Manuel Geraldes refere, uma a uma, todas as árvores que inspiraram os poemas com o seu nome científico, acompanhado de um curto texto informativo, na esperança de que «esta obra poderá, quem sabe, despertar a vontade de conhecer um pouco mais».

Trata-se, por isso, de um livro precioso, que merecia constar do Plano Nacional de Leitura, ao lado de um outro livro desta autora (que dele já consta): O Trigo dos Pardais.

Apesar de ser indicado para todas as idades, seria, na minha opinião, excelente material de trabalho escolar, por aliar a literatura à consciência ambiental. Por a edição em papel ter sido limitada, a autora pôs o livro à disposição, para descarregamento gratuito, em:


Não queria terminar sem deixar de referir o poema Ai amoras, ai amoras da amoreira velha, inspirado na cantiga de amigo de Dom Dinis, Ai flores, ai flores do verde pino, do qual deixo aqui as primeiras quatro estrofes:

- Ai amoras, ai amoras da amoreira velha,
Se sabeis onde encontrar a pintura da infância!
                        Ai Deus, onde está ela?

Ai amoras, ai amoras da amoreira antiga,
Se sabeis onde encontrar a pintura da meninice!
                        Ai Deus, onde está ela?

Se sabeis onde encontrar a pintura da infância,
Aquela que desbotou e perdeu a fragrância!
                        Ai Deus, onde está ela?

Se sabeis onde encontrar a pintura da meninice
Aquela que desbotou e ganhou o perfume da velhice!
                        Ai Deus, onde está ela?



*Investigador Associado do Centro de Estudos Geográficos da Universidade de Lisboa e Vice-presidente da Liga para a Proteção da Natureza


2 comentários:

Isabel Mateus disse...

Boa tarde Cristina,

Uma bela entrada: «um livro precioso». Obrigada! Já chegava esta apreciação para quem realmente pensou que este livro pudesse vir a representar algo de belo. Aliás, a harmonia deste livro entre Arte & Ciência resulta da parceria, como bem referes, da ilustradora Cristina Borges e do cientista da natureza Miguel Geraldes. Os poemas são um bom pretexto para que a obra nascesse...

Agradeço mais uma vez a tua sensibilidade e capacidade crítica para retirar do texto o que é realmente pertinente.

Obrigada!

Beijinho,
Isabel

Cristina Torrão disse...

Olá Isabel, foi com muito prazer que li e falei sobre o teu livro. Desejo-te muito sucesso, acima de tudo, que as escolas comecem a investigar melhor o que se publica.

Beijinho :)