Em todos os momentos da História, seja na Antiguidade, na Idade Média, ou no nosso tempo, são as mesmas paixões e os mesmos desígnios que inspiram os humanos. Entender a História é entender melhor a natureza humana.

24 de janeiro de 2025

Uma joven de vinte anos, uma égua e uma viagem da Alemanha até Portugal (4)

Além da alegria pelo reencontro com o pai, Jette passou um serão muito agradável, com a senhora que os hospedou, o seu neto e o cão da família.

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Estavam apenas a 10 km da fronteira francesa e, num ato simbólico, Jette atravessou-a a cavalo, enquanto o pai esperou por ela do lado francês.

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Depois de acomodarem a Pinou no atrelado, fizeram-se ao caminho, em direção a Espanha.

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Jette queria, porém, realizar um sonho: cavalgar ao longo do Atlântico. Fizeram, então, uma paragem em Capbreton, pequena localidade costeira perto de Bayonne. Aí, Jette e Pinou viveram momentos inesquecíveis.

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A moça cavalgou durante cerca de uma hora, na praia. Jette escreveu (tradução minha): “Penso que nunca tinha galopado a tamanha velocidade. Depois de tanto tempo no atrelado, a Pinou estava cheia de energia, fazendo a areia voar à nossa volta. Um grande sonho meu tornou-se realidade e não consigo expressar em palavras os sentimentos que me abalroam. Tenho uma sorte incrível em poder viver tudo isto”.

Há um vídeo, feito pela própria Jette, a galopar. Quem tiver Instagram, pode vê-lo, no 43º dia de viagem (Tag 43). Ponho aqui um frame desse vídeo, onde se vê a crina da Pinou a voar.

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Realizado este sonho, Jette e o pai retomaram a viagem. Atravessaram a fronteira e alojaram-se numa bonita quinta, nos Pirenéus, onde ficaram três dias.

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Aproveitaram para visitar Bilbao, a cerca de hora e meia de distância.

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Em princípio, Jette retomaria a sua viagem a partir do alojamento, mas, tanto ela, como o pai, pensaram ser melhor deixar os Pirenéus para trás. Uma boa ideia, sobretudo, tendo em conta que já se encontravam em fins de outubro. Avançar sozinha com a Pinou, por zona tão montanhosa, onde não se exclui a caída de neve, podia tornar-se perigoso. Seguem-se algumas imagens minhas, igualmente frames, de um troço da autoestrada entre Vitoria (Gasteiz) e Burgos. O vídeo foi feito durante a nossa viagem, em Abril do ano passado.

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A 24 de outubro, o pai de Jette deixou-a na zona de Burgos. Confesso que esta era a fase da jornada que mais curiosidade me despertava: o longo planalto espanhol, entre Burgos e a fronteira portuguesa.

O Horst e eu já fizemos este caminho inúmeras vezes, nos últimos trinta e dois anos. Mesmo da autoestrada, dá para perceber como a região é seca e solitária, quase um deserto de rochas e pó. Na primavera, ainda se vê algum verde a cobrir as colinas, salpicado com o vermelho das papoilas. No verão, há culturas de girassóis e, nos últimos anos, cada vez mais, de colza. No outono, porém, já se colheu tudo, restando uma paisagem queimada, onde proliferam as aldeias abandonadas.

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Como iria Jette dar-se nesta inóspita região, tendo ainda (evitando estradas principais) cerca de 500 km até à fronteira portuguesa, com apenas uma égua por companhia e sem saber falar espanhol? Conseguiria alimentação suficiente e lugares de pernoita? Seriam nuestros hermanos (os poucos que ela encontraria) hospitaleiros? Temos sempre a impressão de que os espanhóis são arrogantes, pouco amigos de ajudar…

Depois de ver o pai partir, Jette sentiu-se muito sozinha. Já não estava na Alemanha, onde podia comunicar na sua língua. E, já nem os pais, nem o namorado, podiam vir ter com ela, no espaço de meia dúzia de horas.

À despedida do pai, um sorriso para a fotografia.

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Nota: Todas as fotografias e informações aqui divulgadas (à exceção dos frames na auto-estrada, como explicado) foram retiradas do diário de viagem de Jette:

https://www.instagram.com/jette.horse.journey/

@jette.horse.journey

17 de janeiro de 2025

Uma jovem de vinte anos, uma égua e uma viagem da Alemanha até Portugal (3)

 

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Chegada a Krefeld, depois de vinte e um dias de viagem e quase 570 km percorridos, Jette deixou a Pinou bem entregue e descansou três dias, alojada em casa de um tio. O namorado foi ter com ela. Na bagagem, trazia uma ração especial para a Pinou, própria para cavalos sujeitos a maiores esforços.

Jette e Pinou bem precisaram de todos os confortos proporcionados por esta estadia. Ao retomarem a viagem, a 1 de outubro, tinham a Eifel pela frente, uma cordilheira montanhosa, na Renânia-Palatinado, que se estende por 5300 km², entrando na Bélgica e no Luxemburgo e atingindo, no seu ponto mais alto, à volta de 750 m.

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Não eram apenas os montes a tornarem custosas as etapas. Os dias eram já curtos e o tempo mudou, tornando-se frio e chuvoso. Por vezes, chovia um dia inteiro. Nas pausas, para comer a merenda, Jette abrigava-se debaixo de uma árvore. E nem sempre encontrava quem lhe cedesse um quarto para dormir.

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Pernoitando na tenda, com temperaturas entre os 0ºC e os 4ºC, Jette tinha frio, apesar de se deitar vestida com calças de ski e de cobrir o saco-cama com uma manta da Pinou, feita de pêlo de ovelha. Por vezes, tinha de montar a tenda em relvados totalmente alagados. Deste modo se apresentavam igualmente muitos caminhos, obrigando-as a fazer grandes desvios.

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Havia dias em que só avançavam 18 ou 20 km. Cheia de andar à chuva, Jette começava a procurar alojamento pelas duas e meia da tarde. E, caso só lhe restasse dormir na tenda, a preparação da viagem, no dia seguinte, era penosa, debaixo da chuva. Jette sentia pouca motivação para continuar e demorava uma eternidade até ter tudo pronto, só arrancando pelas 11 horas.

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A jovem começou a duvidar se devia prosseguir. Sempre soube que ia deparar com dificuldades, mas seriam estes desafios extremos boas lições de vida, ou contribuíam apenas para a deprimir? Sentia muita falta do namorado, da família e de uma rotina caseira. Não saber, dia após dia, onde e como ia passar a noite, era psicologicamente exaustivo. E parecia-lhe que as mudanças constantes esgotavam também a Pinou. A todo o momento, poderia solicitar ao pai que a fosse buscar de carro, trazendo um atrelado para a égua. Acabaria por o fazer?

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Depois de dez dias de canseiras e extremo desconforto, encontrou uma pequena quinta com gente muito simpática. A Pinou teve direito a um estábulo coberto e, apesar de a família não ter um quarto disponível para a Jette, ela pôde dormir numa divisão aquecida, deitada no seu colchão de ar.

No dia seguinte, talvez notando que ela estava realmente esgotada, sugeriram-lhe que ficasse mais uma noite. Num primeiro momento, ela recusou, queria avançar. Mas mudou de ideias. Era domingo e, se ela e a Pinou estavam tão bem instaladas, porque não aproveitar aquele dia para descansar?

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A primeira coisa que fez, depois do pequeno-almoço, foi tornar-se a deitar. Aquela possibilidade de poder descansar, a qualquer momento, sem preocupações, fez-lhe sentir a familiaridade típica de um domingo. Convidaram-na para almoçar e, em seguida, como não chovia, resolveu ir dar um passeio com a Pinou. Poder cavalgar, sem sujeitar a égua ao peso da bagagem, trouxe-lhe uma sensação de verdadeira felicidade.

Na segunda-feira, fizeram-se novamente à estrada. Os montes continuaram a cansá-las, mas o tempo melhorara e Jette notava que a Pinou, entretanto treinada, vencia melhor as subidas. Passado uns dias, numa outra aldeia, a jovem teve de escolher entre a tenda, ou levar o saco-cama para um antigo curral de vitelos, o abrigo da Pinou, guarnecido com feno fresco.

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Escolheu ficar com a égua, o que se revelou a melhor solução. Durante a noite, Pinou deitou-se duas vezes ao lado dela, algo que, naquela situação, lhe deu conforto e felicidade imensos. Estabelecia-se uma verdadeira cumplicidade entre as duas, baseada, como sempre acontece numa relação entre um humano e um animal, numa total confiança mútua.

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O saco-cama de Jette, no curral onde ela dormiu ao lado da Pinou

A jornada prosseguiu, novamente com alguma chuva. Por vezes, tinham sorte e encontravam um lugar agradável para dormir, com gente que a convidava para jantar. Outras vezes, tinham de se contentar com mais um terreno alagado, onde a moça montava a tenda, enquanto a noite se aproximava fria.

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Jette ia resistindo, deixando a Eifel e as suas montanhas para trás, à medida que se aproximava do Saarland, onde o pai surgiria, a fim de as transportar até Espanha. Isso dava-lhe naturalmente motivação extra.

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O pai e ela encontraram-se a 20 de outubro, perto da fronteira francesa. A moça e a égua tinham percorrido quase 1000 km, em quarenta dias.

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Nota: Todas as fotografias e informações aqui divulgadas foram retiradas do diário de viagem de Jette:

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14 de janeiro de 2025

O rosto de D. Dinis

 

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Constatei, nas redes sociais, que muitas pessoas ficaram chocadas com esta reconstrução do rosto de D. Dinis, apresentada no passado dia 7, nos 700 anos da sua morte. Há quem faça mesmo disto uma anedota, rindo-se e dizendo piadas.

Não sei se quem brinca com o assunto pretende passar um atestado de incapacidade aos autores da reconstrução. O rosto do rei português foi reconstruído através de impressão 3D na Liverpool John Moores University FaceLab, sob coordenação científica da antropóloga Eugénia Cunha, da Universidade de Coimbra, que fez parte da equipa multidisciplinar encarregada do Projeto de Conservação e Restauro do Túmulo de D. Dinis.

Não tenho competência para avaliar o trabalho da Liverpool John Moores University FaceLab. E nunca saberemos se estas reconstruções faciais estão realmente perto da realidade. Mas todo este estranhamento tem seguramente a ver com a imagem de D. Dinis formada na cabeça de todos nós. E sob que pressupostos?

D. Dinis, um rei poeta, culto, fundou a Universidade e amava a vida (significa: as mulheres - como se só os homens pudessem amar “a vida”). Ora, estes pressupostos não formam, na nossa cabeça, o rosto de um homem envelhecido e triste. Além disso, é apresentado com olhos azuis e, apesar do cabelo quase todo branco, pode adivinhar-se ter sido algo como loiro. Isto parece desagradar a muita gente, vá-se lá saber porquê.

Vamos por partes.

Rei poeta, culto, fundador da Universidade portuguesa: disto, não há dúvida. Mas que nos diz sobre a sua aparência? “Amava a vida” - não mais do que os outros. D. Dinis teve amantes, sim, como (quase) todos os reis. Na verdade, porém, ele está longe de ser o monarca português com maior número de amantes e de filhos ilegítimos.

Esta reconstrução mostra-nos como ele era à altura da sua morte e bem pode estar perto da realidade. D. Dinis viveu os seus últimos três anos com graves problemas de saúde. Por duas vezes, foi atingido, calcula-se, por um AVC, ou enfarte. Da segunda vez, morreu mesmo, aos 64 anos. E não esqueçamos que os cuidados médicos, na sua época, não se podem comparar aos de hoje.

Há, porém, ainda a referir um outro motivo, talvez o maior, para o seu desgaste: nos últimos cinco anos de vida, D. Dinis viu-se a braços com uma guerra civil, uma guerra contra o seu próprio filho e herdeiro, que dilacerou o reino. Uma guerra não só de armas e combates, mas também de muitos nervos, raiva e desespero (como só o pode ser, entre pai e filho). Quando faleceu, a 7 de Janeiro de 1325, D. Dinis era um homem esgotado, quebrado, amargurado.

No decorrer deste ano, talvez sejam reveladas informações mais concretas sobre a sua morte. Está prevista uma "exposição itinerante dedicada à divulgação dos resultados do Projeto de Conservação e Restauro do Túmulo D. Dinis, a inaugurar a 18 de abril". Vai ainda haver um "Congresso Internacional, a decorrer dias 27 e 28 de junho, no Mosteiro de Odivelas", e vai ser lançado um "livro monográfico/catálogo que reunirá o conjunto de estudos interdisciplinares desenvolvidos", com data prevista em outubro.

O avô materno de D. Dinis era Afonso X, rei de Castela, apelidado de o Sábio. Também ele culto e poeta, revolucionou a vida cultural toledana, ao reunir letrados cristãos, judeus e muçulmanos, fomentando a tradução, para latim e castelhano, de muitos tratados árabes sobre várias áreas do saber, como a medicina e a astrologia. Foi autor de um novo Código Legal e de vários livros, incluindo uma História da Hispânia. Também escreveu versos e compôs música, são de sua autoria as Cantigas de Santa Maria, escritas em galaico-português (a língua dos poetas da época), um dos maiores tesouros literários medievais da Península Ibérica.

Afonso X o Sábio tinha ascendentes germânicos e costuma ser representado como ruivo. Na sua biografia do rei-poeta, o Professor José Augusto de Sotto Mayor Pizarro é perentório a afirmar que D. Dinis era igualmente ruivo, não só baseado nas observações feitas, por altura da “abertura acidental” do seu túmulo, em 1938 (p. 274), como pelos genes que herdou. Passo a citar da citada biografia (mesma página):

"D. Dinis não foi o único ruivo da sua família, uma vez que o seu tio materno, o infante D. Fernando de Castela, herdeiro de Afonso X falecido em vida do pai, também era ruivo (…) esta herança terá sido recebida do lado da mãe de Afonso X de Castela, a rainha D. Beatriz, filha de Filipe da Suábia e neta paterna do grande imperador Frederico I, de alcunha o Barba Ruiva."

No túmulo de D. Dinis, foram de facto encontradas evidências de cabelos ruivos, castanhos claros e grisalhos. E o Professor Sotto Mayor Pizarro diz ainda, na página 275 da citada obra, que o rei-poeta possuía possivelmente “olhos claros”.

10 de janeiro de 2025

Uma jovem de vinte anos, uma égua e uma viagem da Alemanha até Portugal (2)

 

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A viagem de Jette (Iéta), que se propôs ir da Alemanha até Portugal a cavalo, começou da melhor maneira, a 8 de setembro do ano passado. Teve sorte com o tempo. Houve mais sol do que o costume e as temperaturas mantiveram-se amenas durante todo esse mês. Além disso, o Norte da Alemanha é plano, facilitando o avanço, e o alojamento estava planeado para a primeira semana.

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A fim de não cansar demasiado a Pinou, que carregava com a bagagem, Jette não passava os dias a cavalgar, a grande velocidade, como gostamos de imaginar. Na maior parte das vezes, limitava-se a uma marcha lenta e descontraída. E, não raro, desmontava e caminhava ao lado do animal, guiando-o pela rédea. Fazia também muitas pausas, a fim de que as duas pudessem descansar e alimentar-se.

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Passado uma semana, Jette tinha vencido cerca de 160 km por terrenos aprazíveis, cheios de erva fresca para a Pinou. Encontrava-se na pequena localidade de Wunstorf, no dia 15 de setembro, e os pais e o namorado foram passar o fim-de-semana com ela. Jette encetou a viagem na segunda-feira, mas, apesar do tempo continuar bom, caiu numa onda de tristeza, depois de ter estado com os entes queridos. Sentia, todos os dias, faltar-lhe a motivação para continuar.

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O facto de já não ter alojamentos reservados, tornou-se, porém, vantajoso. Livrara-se da obrigação de vencer determinada distância, a fim de alcançar um destino marcado. E encontrar um local para dormir revelou-se mais fácil do que o esperado. As pessoas que Jette ia encontrando pelo caminho faziam-lhe perguntas e, inteirando-se da sua história, gostavam, geralmente, de a ajudar. Logo lhe indicavam um local, em determinada aldeia, onde ela poderia pernoitar, com estábulo para a Pinou. Essas casas de lavradores nem sempre tinham um quarto à disposição para ela, mas autorizavam-na a montar a sua tenda nalgum relvado, ou a dormir numa roulotte, caso a tivessem. Por vezes, convidavam-na para jantar.

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Havia outras surpresas agradáveis. Num dia, estavam ela e a Pinou a fazer uma pausa, quando um carro parou à sua frente. Depois das perguntas habituais, Jette foi convidada a deslocar-se à quinta dessas pessoas, onde lhe ofereceram maçãs e água para a continuação da viagem. Num outro dia, passando por uma pequena localidade, viu uma gelataria e resolveu comer um gelado. Um homem abordou-a, ao vê-la acompanhada de um cavalo, e, ao saber dos seus planos, fez questão de lhe pagar o gelado, surdo às tentativas de recusa da moça.

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Ir às compras, de vez em quando, era inevitável e, à boa maneira western, Jette amarrava a Pinou à entrada dos estabelecimentos, suscitando olhares estupefactos. Normalmente, porém, as pessoas eram simpáticas. Pediam-lhe autorização para as fotografar e algumas até se atreviam a fazer festas à égua. Nestes, como noutros casos, não lhe era possível evitar passar pelo meio das localidades. A sua presença suscitava sempre grande surpresa e interesse. Nem toda a gente a encarava satisfeita, mas não a molestavam.

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Depois de duas semanas de jornada, e ainda na sequência da ressaca provocada pelo encontro com os pais e o namorado, Jette confessou, no seu diário de viagem (Tag 14), estar a ser extremamente cansativo. Todos os dias se tinha de adaptar a novos locais e responder às mesmas perguntas, além de se lhe depararem constantes desafios. Depois de encontrado alojamento, tinha de cumprir muitas tarefas, até poder descansar: livrar a Pinou de toda a bagagem, tratar da alimentação da égua e, por vezes, limpá-la, antes de se tratar a ela própria.

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Por vezes, tinha ainda de montar a tenda. De manhã, em sentido inverso: desmontar a tenda, tratar da Pinou e dela, reunir toda a bagagem, selar a Pinou e carregá-la. Por outro lado, escreveu ela, era igualmente interessante conhecer locais e pessoas diferentes todos os dias. E aprendia algo a cada desafio. No fundo, era esse o sentido da viagem: amadurecer a cada nova experiência.

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Deparava constantemente com obstáculos, obrigando-a a grandes desvios, por vezes, significando voltar vários quilómetros atrás, apenas para os recuperar em seguida. Certa vez, preparava-se para atravessar uma auto-estrada e encontrou a ponte fechada por motivo de obras. Lá lhe indicaram uma alternativa, mas também isso lhe custou vários quilómetros.

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Numa zona de ribeiros, deu com várias pontes barradas com um pequeno poste. Tratava-se de um percurso pedonal e de ciclistas e os postes evitavam que as pontes fossem usadas por motorizadas ou outro tipo de veículo a motor. Mas impediam igualmente a sua passagem com a Pinou. E Jette pensou que uma família em passeio com um carrinho de bebé veria o seu avanço igualmente barrado.

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Em dias de chuva, dava com caminhos impossíveis de serem passados devido à grande quantidade de lama. Jette receava que a égua escorregasse e partisse uma perna. Via-se constantemente obrigada a procurar alternativas à rota planeada, daí esta sua viagem ser bem mais longa do que a rota pela auto-estrada, ou mesmo por uma estrada nacional.

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Apesar de todas as canseiras e desânimos, Jette prosseguia. E, ao 21º dia de viagem, a 28 de setembro, chegou a Krefeld, cidade de 240.000 habitantes, na Renânia do Norte-Vestfália. Jette fez quase 570 km para lá chegar. De Hamburgo a Krefeld, pela auto-estrada, são cerca de 400 km.

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A atravessar o rio Reno numa barcaça (ferry)

 

Nota: Todas as fotografias e informações aqui divulgadas se podem encontrar no diário de viagem de Jette:

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3 de janeiro de 2025

Uma jovem de vinte anos, uma égua e uma viagem da Alemanha até Portugal (1)

 

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Jette é uma alemã de vinte anos, moradora nos arredores de Hamburgo e cuidadora da égua Pinou.

Muitas meninas alemãs são fascinadas por cavalos, uma fascinação que começa pelos cinco ou seis anos de idade. As escolas de equitação proliferam e o sexo feminino está em clara maioria, tanto a nível de alunos, como de professores. As crianças mais pequenas iniciam a sua aprendizagem com póneis.

Muitas vezes, essa fascinação acaba por desaparecer na adolescência. Caso se mantenha, os pais com mais posses compram cavalos para as filhas e alugam lugares nos estábulos das escolas ou de quintas. As moças pertencentes a famílias, cuja situação financeira não permite tal aquisição, prontificam-se a cuidar dos animais e a limpar os estábulos em troca da prática gratuita de equitação.

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Jette (pronuncia-se Iéta) trata da Pinou desde 2023. No ano passado, porém, a dona da égua resolveu mudar-se para Portugal, para os lados da Bemposta, alguns quilómetros a norte de Castelo Branco. Penso que essa senhora terá mais animais e não sei pormenores da mudança. Sei que ela não levou logo a Pinou, deixando-a num estábulo conhecido e aos cuidados de Jette, até organizar o seu transporte.

Jette tinha, nessa altura, concluído o liceu e estava indecisa sobre o que deveria fazer a seguir. Muitos jovens alemães tiram um ano para viver no estrangeiro, ou exercer alguma actividade relacionada com serviço social, no seu país, antes de prosseguirem os estudos. Em tom de brincadeira, a mãe de Jette sugeriu: “porque não levas tu a Pinou, fazendo uma viagem a cavalo até Portugal?”

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Depois de uma certa perplexidade inicial, a ideia não mais saiu da cabeça de Jette. E contactou a dona da Pinou que, depois de refletir uns dias, lhe respondeu: “Faz isso, então, se é o que queres”.

Decidida a provar a si própria e aos outros de que seria capaz, Jette começou a treinar mais intensamente com a égua e a preparar a viagem. Os pais e o namorado colaboraram, discutindo os planos com ela. Iniciando-se a jornada em Setembro, e como seria irrealista atravessar os Pirenéus no Inverno, o pai prontificou-se a levá-la de carro através da França, até Bilbao, caso ela realmente conseguisse atravessar a Alemanha, de Hamburgo até à fronteira francesa, no Saarland (quase 1000 km, na rota escolhida por ela; a viagem na auto-estrada é 300 km mais curta).

Reservaram dormidas para a primeira semana, em locais de turismo rural, com distâncias de 30 a 40 km entre eles. Depois, Jette teria de se desenvencilhar sozinha, munida de uma tenda, deixando o destino decidir. Os pais e o namorado comprometeram-se igualmente a ir buscá-la, fosse onde fosse, caso ela se achasse incapaz de prosseguir, ou algo lhes acontecesse (a ela e/ou a Pinou).

A 8 de setembro de 2024, Jette iniciou a viagem da sua vida.

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Nota: Todas as fotografias e informações aqui divulgadas são retiradas do diário de viagem de Jette:

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