D. TERESA E OS DOIS IRMÃOS DE TRAVA
& outras que tais (pois nem só de "medievalidades" vive a Mulher)
Em todos os momentos da História, seja na Antiguidade, na Idade Média, ou no nosso tempo, são as mesmas paixões e os mesmos desígnios que inspiram os humanos. Entender a História é entender melhor a natureza humana.
A 14 de setembro de 1307, partiram da chancelaria do rei francês Filipe IV cartas lacradas, de conteúdo secreto, para vários pontos do reino, com a ordem de serem abertas apenas a 13 de outubro. Tratava-se da ordem de prisão de todos os Templários franceses, que assim os apanhou de surpresa.
Entre os dias 24 e 25 de outubro, o Mestre da Ordem Jacques de Molay confessou, sob tortura, os crimes de que era acusado, confissão que aliás desmentiu a 24 de dezembro, mas que não o livrou de ser queimado em Paris, a 18 de março de 1314.
Através da bula Pastoralis praeeminentiae, o Papa Clemente V recomendou a todos os príncipes da Cristandade a prisão dos Templários e a confiscação dos seus bens. Por toda a Europa, os freires são presos, torturados e queimados. A Ordem do Templo só viria a ser definitivamente extinta a 22 de março de 1312, através da bula Vox in excelso.
A Península Ibérica constituiu uma excepção. D. Dinis suprimiu a Ordem, mas manteve os seus membros na clandestinidade. Sabedor da situação, o Papa Clemente V enviou-lhe, a 30 de dezembro de 1308, a bula Callidi serpentis vigil, recomendando-lhe a prisão definitiva dos Templários. Alguns eclesiásticos portugueses, como os Cónegos Regrantes de Santa Cruz e o bispo da Guarda, insistiram em que se cumprisse a bula papal. No fundo, pretendiam apoderar-se dos bens dos freires e D. Dinis iniciou um processo, a fim de incorporar esses bens na Coroa.
A 12 de maio de 1310, depois de o Concílio de Salamanca declarar a inocência dos Templários hispânicos, D. Dinis e D. Fernando IV de Castela estabeleceram um pacto de defesa e conservação dos bens dos freires contra qualquer decisão em contrário, mesmo vinda do Papa. D. Jaime II de Aragão associou-se em 1311 a este acordo.
À semelhança do cunhado aragonês, D. Dinis acabou por criar uma nova Ordem, a Ordem de Cavalaria de Nosso Senhor Jesus Cristo, autorizada pelo Papa João XXII através da bula Ad ea ex quibus, de 14 de março de 1319, em que instava os freires a manterem a cruzada religiosa contra os sarracenos. Os bens que haviam pertencido aos Templários portugueses foram transferidos para a Ordem de Cristo a 24 Junho de 1319. Os primeiros estatutos da Ordem foram aprovados a 11 de Junho de 1321.
Nota: o link que utilizei, há nove anos, para identificar as imagens que ilustram este postal, já não existe. Fiquei assim sem qualquer tipo de referência, pelo que peço a compreensão dos visados.
ELEIÇÃO DO PAPA PORTUGUÊS
A 13 de setembro de 1276 foi eleito o único Papa português, Mestre Pedro Julião, também conhecido por Pedro Hispano, antigo Deão da Sé de Lisboa. Adotou o nome de João XXI, mas foi curto o seu pontificado. Viria a falecer a 20 de maio de 1277, de acidente, numas obras no Palácio dos Papas, em Viterbo.
TRATADO DE ALCANICES
Selo comemorativo do Tratado de Alcanices (circulou de 12-09-1997 a 30-09-2001)
12 de setembro é uma data muito importante na História de Portugal. Foi neste dia, no ano de 1297, que se definiram novas fronteiras entre Portugal e Castela, no Tratado de Alcanices. Estas fronteiras sofreram alterações mínimas nos últimos 728 anos, fazendo de Portugal um caso único na Europa. Foi através do Tratado de Alcanices que Moura, Serpa, Noudar e Mourão foram incluídas no território português, além de alguns lugares de Ribacoa, como Castelo Rodrigo, Almeida e Sabugal.
Celebrado entre D. Dinis e D. Fernando IV, que necessitou da tutela da mãe D. Maria de Molina, pois tinha apenas onze anos, o Tratado de Alcanices serviu ainda para estabelecer um duplo consórcio:
- O infante D. Afonso de Portugal, futuro rei Afonso IV, desposaria D. Beatriz de Castela, irmã de Fernando IV. O infante português tinha, à altura, apenas seis anos, a infanta castelhana era um pouco mais nova. Casariam em maio de 1309.
- A infanta D. Constança de Portugal, de sete anos, ficou prometida ao próprio rei Fernando IV de Castela.
Em casos destes, era costume as noivas mudarem-se para o seu novo lar, a fim de serem criadas pelos sogros, pelo que D. Dinis e D. Isabel trocaram a filha Constança pela infanta castelhana.
Solicitaram-se dispendiosas bulas de dispensa de parentesco a Roma, pois os infantes castelhanos eram primos de D. Dinis, tendo sido o pai deles, o falecido Sancho IV de Castela, tio do rei português.
Também se solicitaram bulas de legitimação do jovem rei Fernando IV e de seus irmãos, já que o casamento dos pais nunca havia sido legitimado, igualmente por parentesco. Fernando IV foi, durante muito tempo, contestado na sua condição de soberano por tios e primos e manteve-se no trono, não só devido ao pulso firme de sua mãe Maria de Molina, mas também com a ajuda de D. Dinis.
Tratado de Alcanices (versão portuguesa no Arquivo Nacional Torre do Tombo)
Da parte castelhana, o dinheiro para as bulas só foi disponibilizado quatro anos mais tarde, em junho de 1301, depois das Cortes de Burgos/Zamora. Os bispos de Lisboa e do Porto acompanharam o arcebispo de Toledo a Roma e, em setembro de 1301, Bonifácio VIII outorgou as bulas que foram solenemente publicadas na catedral de Burgos, a 7 dezembro de 1301.
O casamento de D. Fernando IV com D. Constança de Portugal realizou-se em janeiro de 1302, fazendo da infanta portuguesa rainha de Castela. Durou dez anos, terminando com a morte súbita de Fernando IV, a três meses do seu 27º aniversário. Já tinha aliás nascido o seu herdeiro, o futuro Afonso XI de Castela, neto de D. Dinis e de D. Isabel.
D. Constança acabou por morrer pouco tempo depois do marido, com apenas 23 anos, vítima de uma febre.
DEPOSIÇÃO DE D. SANCHO II
Representação de D. Afonso III na Viagem Medieval de Santa Maria da Feira
A 6 de setembro de 1245, uma delegação portuguesa jurou, em Paris, obediência ao conde de Bolonha, futuro rei de Portugal.
Na verdade, o pai de D. Dinis não estava destinado a ser rei, pois tinha um irmão mais velho. Porém, o reinado de D. Sancho II provou ser caótico, incluindo grandes conflitos com a Igreja e levando o Papa Inocêncio IV a emitir a bula Grandi non immerito, de 24 de julho desse ano. D. Sancho II foi aí considerado rex inutilis e ditava-se a sua deposição.
Retrato de D. Sancho II, de autor desconhecido, propriedade da Câmara Municipal de Sintra
O futuro D. Afonso III jurou respeitar as liberdades da Igreja, mas também ele se envolveu numa série de conflitos com o clero, sendo inclusive acusado de bigamia ao casar-se com D. Beatriz de Castela. Conseguiu, no entanto, impor a ordem no reino.
Um bairro especial, em Hamburgo, junto ao porto. Em alemão, Portugiesenviertel. Onde abundam os restaurantes e cafés portugueses.
SENTENÇA ARBITRAL DE TORRELLAS
Portugueses e aragoneses confraternizaram num banquete. A rainha Branca de Aragão espantou a corte de Isabel com a última novidade vinda de Veneza: um espelho de vidro! As damas pasmavam com a clareza da imagem, acostumadas às folhas de prata polida, ou ao simples reflexo projetado na água. Algumas assustavam-se ao ver-se tão nítidas, descobrindo rugas e defeitos cutâneos e concluindo não apreciarem tais novidades.
Isabel foi a única a não se surpreender com a sua imagem. De resto, preferia prosear com dois famosos estudiosos aragoneses.
Arnaldo Vilanova, filósofo e alquimista, ligado ao movimento dos espirituais franciscanos, era médico oficial da corte desde o tempo de Pedro III e assumia missões diplomáticas ao serviço de Jaime II.
Raimundo Lulo, um franciscano catalão, igualmente ligado à alquimia, expressava pensamentos não entendidos pela maior parte dos seus contemporâneos. Dizia ele, por exemplo, ser possível alcançar a Índia circum-navegando a África, evitando o Mar Mediterrâneo, a rota comercial dominada pelos sarracenos. E ia mais longe. Numa das suas obras, escrevera: A terra é esférica e o mar também é esférico (…) é necessária uma terra oposta às praias inglesas: existe, pois, um continente que não conhecemos.
A existência de um continente desconhecido assustava e chocava, pois nada disso era mencionado nos mapas da época, que apresentavam Jerusalém como o centro da Terra e o mar como o fim do mundo. Outras almas mais iluminadas, porém, como as da rainha portuguesa e do Mestre dos Templários Frei Vasco Fernandes, fascinavam-se. Os cavaleiros do Templo estavam familiarizados com ideias avançadas e mal compreendidas, eram conhecedores de enigmas, sendo inclusive encarados com desconfiança por personalidades como Filipe IV de França.
Raimundo Lulo mencionou ainda a intrigante viagem de um italiano à China, Marco Pólo de sua graça, que, volvido à sua terra, ditara as suas aventuras a um companheiro de prisão, Rusticiano de Pisa.
SENTENÇA ARBITRAL DE TORRELLAS (2)
Verificou-se, no passado dia 8, o 721º aniversário da Sentença Arbitral de Torrellas, à qual decidi dedicar três "postais". Esta Sentença Arbitral, que acabou com as quezílias entre Castela e Aragão, devido à sucessão problemática de Afonso X, o Sábio, foi o resultado de um longo processo, no qual D. Dinis foi o principal medianeiro. Permito-me transcrever um excerto do meu romance, onde se pode ler o essencial sobre as suas conclusões:
As sentenças foram proferidas em Torrellas, a 8 de Agosto. Como combinado, o rei de Portugal, o infante Don Juan de Castela e o bispo de Zaragoza Don Ximeno de Luna proferiram a sentença quanto à divisão do reino de Múrcia. Foi estabelecido o rio Segura como linha divisória, solução que estava longe de agradar a muitos nobres castelhanos, apesar de o mais prejudicado ser um português: o próprio irmão de Dinis. Os senhorios de Elda e Novelda, pertencentes à consorte do último, situavam-se na parte destinada ao monarca aragonês, pelo que Afonso e sua esposa Violante lhos teriam de entregar.
Dinis tentou acalmar o irmão:
- Nada pude fazer para o evitar. Mas o meu genro* comprometeu-se a doar-te senhorios de rendimento idêntico em Castela. E sabes que em Portugal, onde igualmente possuis propriedades valiosas, serás sempre bem-vindo.
O irmão limitou-se a encará-lo com o seu olhar amargurado.
Os reis de Portugal e de Aragão e o infante Don Juan de Castela proferiram ainda a sentença quanto às pretensões de Alfonso de la Cerda*, que teria de desistir de certos castelos, deixar de usar o tratamento de rei e selo e armas correspondentes. Em compensação, o monarca castelhano comprometia-se a entregar-lhe senhorios que atingissem a renda anual de quatrocentos mil maravedis.
No dia seguinte, Fernando IV e Jaime II* aprovaram e aceitaram os termos da sentença, seguindo-se um juramento em que participaram os membros das famílias reais, os representantes das Ordens militares e dos concelhos e os ricos-homens castelhanos e aragoneses. Os monarcas de Portugal, Castela e Aragão declararam-se ainda «amigos dos amigos e inimigos dos inimigos», jurando ainda Dinis e Jaime II amizade para com o rei mouro de Granada, que se fizera vassalo de Fernando IV.
*1 Fernando IV de Castela
*2 Achava-se com direito ao trono castelhano, desde a morte de seu avô, Afonso X
*3 Rei de Aragão, irmão de D. Isabel
FORAL DE VILA NOVA DE GAIA E AFONSO XI DE CASTELA
Faz hoje 737 anos que D. Dinis concedeu foral a Vila Nova de Gaia.
Também a 13 de Agosto, mas de 1311, nasceu o futuro rei D. Afonso XI de Castela. Foi o primeiro neto varão de D. Dinis e de D. Isabel, sua mãe era D. Constança de Portugal. O par real português já tinha aliás uma neta, de nome Leonor.
FUNDAÇÃO DO ESTUDO GERAL
Faz hoje 735 anos que foi fundada a Universidade portuguesa.
A Universidade foi de facto fundada em Lisboa. Durante muito tempo, oscilou entre Lisboa e Coimbra, e só se estabeleceu definitivamente junto ao Mondego em 1537, mais de duzentos anos depois da morte de D. Dinis.
A bula De Statu Regno Portugaliae confirmava o ensino de Cânones, Leis, Medicina e Artes e autorizava a concessão de grau de licenciado pelo bispo ou vigário da Sé lisbonense. Dez anos depois, contudo, surgiram problemas. Não se sabendo exatamente qual a sua origem, é conhecido que, ainda antes da autorização papal, as aulas já decorriam num edifício situado no Campo da Pedreira à Lapa. Este edifício teria a ver com a Casa da Moeda, pois, a 4 de setembro de 1300, D. Dinis tentou disponibilizar outro terreno para a construção de um edifício para o Estudo Geral, por ter problemas com essa instituição.
Em janeiro de 1307, foi feito o pedido de transferência para Coimbra. E, a 15 de fevereiro de 1309, pela Charta magna privilegiorum, D. Dinis estipulou os estatutos do Estudo Geral de Coimbra, embora a autorização para a transferência só tenha sido dada a 26 de fevereiro de 1308, por Clemente V.
SENTENÇA ARBITRAL DE TORRELLAS (1)
Em junho de 1304, saiu de Portugal uma solene e enorme comitiva, que incluía quase toda a corte portuguesa. A presença da rainha D. Isabel era imprescindível, pois o monarca aragonês Jaime II era seu irmão.
Jaime II de Aragão, por Manuel Aguirre y Monsalbe - [3], Domínio público, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=1111454
Isabel e Jaime cumprimentaram-se emocionados. Haviam-se separado há mais de vinte anos, nas idades de onze e catorze respectivamente. Dinis achou-os parecidos, mas Jaime não ostentava a palidez da irmã. Era robusto, nas suas vestes escarlates, bordadas a fio de ouro.
O herdeiro do trono português foi apresentado ao tio, que lhe elogiou a postura, arrancando-lhe um sorriso e espantando Dinis, pois raramente assistia a tal reação por parte do rebento. O monarca aragonês fez ainda questão de mencionar a parecença do moço com o avô Pedro III, embevecendo Isabel. Dinis, no entanto, apreciaria mais que o príncipe fosse parecido com ele próprio… Como Afonso Sanches.
(Do meu romance D. Dinis, a quem chamaram o Lavrador)
D. Dinis tinha todo o interesse em que a paz fosse estabelecida na Hispânia, pois, embora Portugal não estivesse diretamente implicado, esta crise passava pela legitimação dos filhos do falecido D. Sancho IV de Castela. O seu sucessor, Fernando IV, ainda menor, era o noivo da infanta D. Constança de Portugal, filha de D. Dinis e de D. Isabel.
Nota: este assunto vai ser tema de mais dois posts.