Não resisto a citar uma passagem do romance Rixa de Gatos, do espanhol Eduardo Mendoza (Sextante Editora), que veio incluído num extracto pré-publicado no número de Novembro da revista Os Meus Livros. Achei a cena deliciosa: um inglês viaja num comboio espanhol, na Primavera de 1936, e é abordado por "um homem de idade e condição imprecisas, com a cabeça rapada e um amplo bigode republicano". O inglês sabe falar castelhano, mas a passagem refere-se ao momento em que o indivíduo que o interpela ainda não se apercebeu disso.
- Inglis?
A pergunta sobressaltou-o. Absorvido na redacção da carta, mal tinha reparado na presença de outros passageiros no compartimento.
(...)
- Eu não falo inglês, sabe? - continuou a dizer, perante a aparente aquiescência do inglês à sua pergunta inicial. - No inglis. Eu, espanis. Você inglis, eu espanis. A Espanha muito diferente da Inglaterra. Different. Espanha, sol, toiros, guitarras, vinho. Everibodi olé. Inglaterra, no sol, no touros, no alegria. Everibodi kaput.
Ficou calado durante uns momentos, a fim de dar tempo ao inglês para assimilar a sua teoria sociológica, e acrescentou:
- Em Inglaterra, rei. Em Espanha, no rei. Antes, rei. Afonso. Agora já não há rei. Presidente: Niceto Alcalala Zamora. Eleições. Mandava Lerroux, agora Azaña. Partidos políticos, todos os que quiser, todos maus. Políticos desavergonhados. Everibodi cabrões.
Eu adoro este tipo de escrita, que transmite os tiques de um povo, sob uma fina ironia. E, afinal, não somos assim tão diferentes de nuestro hermanos.
Everibodi olé! Everibodi cabrões! Ora bem.
muito bem. Tivesse eu tempo para ler.
ResponderEliminarTambém não tenho quanto desejava...
ResponderEliminaragendar posts: basta escrever 13H, 14H, etc.
ResponderEliminarDizes bem, Cristina, tal como em Espanha, em Portugal, reinam o olé, o vinho e os cabrões. Só que, os cabrões portugueses são especiais; na gíria, cabrão, é o epíteto atribuido ao tipo cuja mulher se pira com outro e o engana. Nós, os cabrões portugueses, somos os que nos enganamos a nós mesmo, sem ser necessário que as nossas mulheres se pirem com ninguém. Ou melhor dito, aplaudimos aqueles que não nos roubando a mulher, nos enganam à força toda.
ResponderEliminarÉ mesmo, caro Anónimo? Vou já experimentar na próxima oportunidade, obrigada.
ResponderEliminarMais uma interessante reflexão, Bartolomeu ;)
Penso que o Anónimo veio para aqui brincar...
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