Em todos os momentos da História, seja na Antiguidade, na Idade Média, ou no nosso tempo, são as mesmas paixões e os mesmos desígnios que inspiram os humanos. Entender a História é entender melhor a natureza humana.

7 de maio de 2012

A viúva

Já aqui tenho reproduzido textos que o escritor José Rentes de Carvalho publica no seu blogue. Mas acho que nunca gostei de nenhum como deste, talvez pela sua honestidade e frontalidade. É difícil encontrar um escritor de sucesso tão independente do sistema e das ideias feitas. E a fina ironia... Simplesmente, adoro:

Tenho andado mole estes últimos dias, dor aqui, dor ali, indisposição, náuseas, tonturas, mas não consulto médico, nem na farmácia encontraria remédio, que isto, sei-o de fonte segura, é mau-olhado, pelo que amanhã irei a Mogadouro para que a vidente mo corte.
Foi assim: encontrava-me uma tarde da semana passada no espaço da Porto Editora na Feira do Livro, com Manuel Valente, senhor de simpatia, humor e excelentes maneiras, quando a  agradável conversa em que estávamos foi interrompida por duas idosas de fala castelhana.
A mais despachada deu um beijo ao Manuel, disparou uma rajada de vocábulos em que mal consegui compreender que vinha de algures e ia não sei onde. A outra idosa e eu mantínhamo-nos discretamente afastados, foi então que Manuel, num preâmbulo de apresentação,  perguntou:
- Você conhece a… - e disse o nome da viúva do laureado escritor.
- Não, não conheço – respondi, com verdade.
Em má hora o fiz. A viúva entesou, descairam-se-lhe  os cantos da boca ao mesmo tempo que soprava veneno e desprezo, os olhos, até então mortiços, despediram chispas.
Manuel teve direito ao beijo de despedida, a mim virou rabiosamente as costas, dando a impressão de que, fosse isso possível, com gozo me teria espezinhado.
- Mas não conhecia a…
- De facto não. Lembro tê-la visto numa revista, mas os fotógrafos, você sabe… Retocam, rejuvenescem. Não reconheci. Além disso, ora estou na Holanda, ora em Trás-os-Montes, o renome de quem é mundialmente famoso em Lisboa ou Lanzarote não chega a esses longes.
Despedimo-nos. Manuel foi à sua vida e eu desci o Parque a caminho do hotel, sentindo arrepios, um começo de náusea.


Obrigada, José Rentes de Carvalho. Gostava tanto que houvesse mais pessoas honestas e corajosas como o senhor!

2 comentários:

Rita disse...

Olá, alguém sabe se esta história é verídica?

Cristina Torrão disse...

Rita, eu acredito na sinceridade de Rentes de Carvalho. Não o conheço, mas tenho seguido o seu blogue e ele não me parece ser o género de pessoa que invente coisas deste tipo.
O problema é que temos dificuldade em aceitar que pessoas públicas, que julgamos ser modelos de virtudes e acima de todas as suspeitas, também tenham os seus defeitozinhos. Eu não vejo mal nenhum nisso, afinal, somos todos humanos. Mas muitas vezes colocamos num pedestal gente que talvez não mereça tanto.