Em todos os momentos da História, seja na Antiguidade, na Idade Média, ou no nosso tempo, são as mesmas paixões e os mesmos desígnios que inspiram os humanos. Entender a História é entender melhor a natureza humana.

27 de maio de 2011

Escritoras



No Horas Extraordinárias, a editora Maria do Rosário Pedreira, a propósito de uma polémica no Facebook, abordou o tema: porque é que há mais escritores do que escritoras? O assunto provou, mais uma vez, excitar os ânimos, o post teve mais de 60 comentários.

As razões podem ser diversificadas, mas, na minha opinião, há duas pertinentes:

1 - Falta de tempo

A escrita é uma actividade que exige, acima de tudo, tempo. Mulheres casadas, com filhos e com actividade profissional dificilmente arranjam ocasião para se isolarem no escritório do lar, duas ou três horas seguidas, algumas vezes por semana. Infelizmente (e embora haja cada vez mais excepções) há mais tolerância e compreensão para os homens, que, em situação semelhante, precisem do seu sossego. O facto de eu constatar que, muitas vezes, apenas o homem dispõe de um espaço em casa a que possa chamar de "seu escritório", parece confirmar esta suposição.

Como também o confirma uma entrevista a Alice Vieira, da qual transcrevo um extracto:


- Ele [Mário Castrim] incentivava-a a escrever?
Muito, muito. Eu acho mesmo que ele deixou a carreira dele de escritor para trás exactamente para que eu pudesse fazer a minha, não tenho dúvidas nenhumas (...) Para eu fazer a vida que fazia, ele tinha que ficar com os miúdos, e tratar da casa. Tinha que aguentar o barco.

Pois!

J. K. Rowling, a autora da saga do Harry Potter, começou a escrever por estar desempregada. Passou para o papel histórias que há muito engendrava na cabeça, mas é caso para perguntar: tivesse ela um emprego absorvente e dois ou três filhos, estaria o mundo privado do seu mais famoso aprendiz de feiticeiro?

Ao contrário do que muita gente pensa, não basta ter talento para se tornar escritor, é preciso ter condições para o desenvolver. E ser persistente e disciplinado. Nada podia ser mais errado do que aquela ideia de um génio que tem uma inspiração, passa-a para o papel... E aí está a obra-prima!



2 - Atrever-se

Uma outra razão, que não foi focada nos comentários ao post da Maria do Rosário Pedreira, mas que considero verosímil, é as mulheres não se atreverem tanto como os homens. Por mais que as coisas tenham evoluído e por mais que se considere que as mulheres estão ao nível dos homens, as meninas ainda são educadas de maneira diferente dos meninos, pois devem ser mais ponderadas e sossegadas. Enquanto se mantenham no seu quarto, a pentear bonecas, tudo bem. Mas poucos pais aceitam que elas queiram jogar à bola na rua, com os rapazes, por exemplo.

O atrevimento, a curiosidade e o experimentar "coisas malucas" continuam a ser mais tolerados neles. O resultado é que os miúdos, mais tarde, acreditam mais nas suas capacidades e são mais seguros de si.

Diz-nos Maria do Rosário Pedreira: recebo dezenas de originais todos os meses para avaliar mas, lamentavelmente, só dez por cento são escritos por mulheres. O mais engraçado é que eu recordo, dos meus tempos de liceu, serem as raparigas quem mais se dedicava à escrita (devaneios, contos, poesia, etc.). E são normalmente as meninas que escrevem diários. Mas desconfio que, mesmo que desejem ser escritoras, pensam não ter talento suficiente e não se atrevem a enviar os seus manuscritos a quem os possa apreciar. É pena!



Mas será que Portugal, mais uma vez, anda atrasado em relação a outros países europeus?  Publiquei aqui, a 25 de Abril (por acaso), fotografias tiradas numa livraria da cidade alemã onde vivo, nomeadamente, o escaparate dedicado aos romances históricos. E constatei que as escritoras alemãs deste tipo de literatura parecem ser mais do que os escritores.

Nesta fotografia, consegue ler-se o nome de oito autores e só um (Frank Schätzing) é homem:



Também em língua inglesa há muitas mulheres a dedicarem-se a este tipo de literatura.

Mulheres portuguesas, de que estão à espera? A falta de tempo poderá ser difícil de contornar. Mas há algo que só depende de vós: atrevam-se!

26 de maio de 2011

Já não se fazem promessas como antigamente...


Deixo-vos com as palavras da Zélia Parreira, autora do blogue Açúcar Amarelo e minha colega no 2711, surgidas como resposta aos comentários a propósito deste post, também de sua autoria:

E afinal, o que nos prometem estes partidos, que andam tão ocupados que não podem perder tempo com estes temas da educação e da cultura?

Alcatrão? Não, porque vamos pagá-lo a vida inteira.

Transportes públicos rápidos e acessíveis? Não, só TGV a preços proibitivos.

Um sistema de saúde eficaz e eficiente? Não, apenas grandes hospitais nas cidades do litoral e o deserto no interior.

Um sistema de educação com qualidade e exigência que forme cidadãos conscientes e informados? Não, apenas grandes centros educativos que produzem cidadãos "certificados" em série, enquanto os miúdos do interior são obrigados a viajar horas e horas sozinhos, de madrugada, para assistirem a "actividades curriculares".

Uma economia forte e saudável, assente no investimento e na produção? Não, apenas uma economia virtual, em que os dinheiros se jogam em instrumentos financeiros completamente incompreensíveis à maioria dos cidadãos e que nos conduzem sempre a uma crise maior do que aquela de onde partimos.

Uma justiça célere e (até é ridículo pedir isto) justa? Claro que não, o poder político não interfere no sistema judicial, apenas cria mecanismos e instrumentos legais que o sufocam.

E por aí fora. O que é que nos prometem? Eu ainda não vi nada a não ser trocas de insultos e acusações. É que já nem se dão ao trabalho de nos prometer nada...

25 de maio de 2011

O Principezinho



Deste livro, não me lembrava de mais nada, a não ser do famoso desenho da cobra que engolira o elefante. Devia ter uns dez anos e já nem sei se o li até ao fim. Foi-nos oferecido (a mim e ao meu irmão) por um conhecido da família. Mas, como sempre, os meus pais deram-lhe pouca importância, nunca se interessaram por livros infantis.

Lembro-me de ter dificuldades em entendê-lo e não haver ninguém que me pudesse ajudar. Perdi o interesse.

Há alguns meses, o blogue da Pó dos Livros, num post sobre dedicatórias, mencionou a de O Principezinho. Chamou-me a atenção, pois é raro encontrar adultos que levem a infância tão a sério, como era o caso de Antoine de Saint-Exupéry. Decidi lê-lo, embora na versão alemã, que o Horst tinha entre os seus livros. De resto, a portuguesa é igualmente uma tradução.



É um livro maravilhoso. Mas o final, tão cheio de tristeza e angústia, arrancou-me lágrimas. O que me leva a dizer que, apesar das ilustrações e da história simples de ler, não acho que seja um livro infantil. Ou, pelo menos, as crianças devem lê-lo acompanhadas e os pais devem estar preparados para lidar com o final, em que o principezinho não tem outra hipótese, senão deixar-se morrer (ou matar!). Mesmo que seja para ir tratar da sua flor, mesmo que seja para se transformar numa estrela, não é facilmente compreensível para uma criança. Para um jovem, talvez.

Decidi infomar-me na maior livraria de Stade, a Thalia, e disseram-me que, embora o livro seja lido por crianças, não é considerado livro infantil, sendo incluído na definição "livro de prenda" ou "de oferta", em alemão, Geschenkbuch. Não sei se há um equivalente em português, Geschenkbuch é um livro que, embora tendo ilustrações, não é propriamente infantil. Muitas vezes, são livros humorísticos, ou daqueles que têm citações e frases úteis, ou interessantes. Para oferecer em qualquer ocasião...

Eu, se tivesse filhos abaixo dos dez anos, hesitava em dar-lhes O Principezinho.

Uma curiosidade: fez-me lembrar O Paciente Inglês (o filme, pois não li o livro).

23 de maio de 2011

O Título da Moda

Comer, Orar, Amar


Ouvir, Falar, Amar


Beber, Jogar, F*der


Isto está mesmo a dar! Talvez devesse aproveitar a ideia para os meus próximos romances históricos:

Cercar, Combater, Conquistar

Ou ainda:

Reinar, Trovar, Lavrar

Para uma ficção sobre o 25 de Abril (já se lhe poderia chamar romance histórico?) talvez não ficasse mal:

Lutar, Libertar, Manifestar

Para os anos imediatos à revolução:

Democratizar, Cantar, Construir

De resto, para democracias jovens:

Votar, Escolher, Participar

Bem, e fico-me por aqui...

21 de maio de 2011

10 dicas para incentivar a criança a ler

A origem do texto é brasileira (nota-se logo, pelas "dicas"), mas cheguei a ele através do Bibliotecar. E os conselhos são realmente bons:

1. RESPEITAR O RITMO DA CRIANÇA
Não se preocupe se o livro escolhido pelo seu filho parecer infantil demais. Cada criança tem um ritmo diferente. O importante é que o livro esteja sempre presente. A criança costuma dar sinais quando se sente preparada para passar para um próximo nível de leitura. "É preciso estudar o outro, entender o que ele gosta e respeitar as preferências", afirma Maria Afonsina Matos, coordenadora do Centro de Estudos da Leitura da Uesb.

2. SEGUIR O GOSTO DA CRIANÇA
Talvez o que o seu filho gosta de ler não seja exatamente o que você gostaria que ele lesse. Mas, para adquirir o hábito a leitura, é preciso sentir prazer. Então, se o seu filho prefere ler livros de super-heróis aos clássicos contos de fada, por exemplo, não se preocupe (e nem pense em proibi-lo!). "É importante entender a criança e lhe proporcionar leituras que atendam aos seus desejos", diz Rosane Lunardelli, da UEL.

Continuar a ler aqui.

19 de maio de 2011

Onde se explica o que é que a "geração à rasca" tem a ver com a pesca



Muito se tem escrito (e falado) sobre os jovens supostamente preguiçosos, que reclamam de barriga cheia. O conflito entre gerações é normal e saudável, o contrário é que seria de admirar. A Ana Vidal, do Delito de Opinião, publicou um post interessante (esta excelente imagem também vem de lá)  retirado do Facebook.  São 11 regras para a "geração à rasca", muito directas e escritas com humor, como, por exemplo:


Regra 3 - Não ganharás 10.000 euros por mês assim que saíres da escola. Não serás vice-presidente de uma empresa com carro e telefone à disposição enquanto não os tiveres ganho por ti próprio.

Regra 4 - Se achas teu professor duro, espera até teres um Chefe.

Regra 5 – Virar frangos ou trabalhar durante as férias não está abaixo da tua posição social. Os teus avós têm uma palavra diferente para isso: eles chamam-lhe de oportunidade.

Regra 11 – Sê simpático com os marrões (aqueles estudantes que os demais julgam que são uns totós). Existe uma grande probabilidade de que venhas a trabalhar PARA um deles.

Por outro lado, achei que algumas regras têm uma tendência acusativa muito forte:

Regra 6 - Se fracassares, não é culpa dos teus pais. Então não lamentes os teus erros, aprende com eles.

Regra 7 - Antes de nasceres, teus pais não eram tão chatos como são agora. Eles só ficaram assim por terem de pagar as tuas contas, lavar tuas roupas e ouvir-te dizer como tu és fixe (e eles são “ridículos”). Por isso antes de ires salvar o planeta para a próxima geração, querendo consertar os erros da geração dos teus pais, experimenta arrumar teu próprio quarto.

A sugestão final da Regra 7 é útil, mas, de resto, acho que se cai no erro de ilibar os pais de certas responsabilidades, ao mesmo tempo que se acusam os filhos de serem fardos. O mero título de "mãe" ou "pai" não é um atestado de qualidade e/ou competência. As facilidades e as mordomias que estes proporcionam aos filhos, que será a principal causa da preguiça deles, têm, muitas vezes, a ver com mero comodismo da sua parte.

A fim de melhor exprimir a minha opinião, deixei no post da Ana Vidal, um comentário baseado na máxima: "se vires um pobre à beira do rio, não lhe dês peixe, ensina-o a pescar". O Pedro Correia elegeu-o comentário da semana e ilustrou-o com uma imagem lindíssima.

Obrigada ao Pedro, pela escolha, e à Ana, por me ter inspirado.

S. C. Braga

Foi pena!



Solidarizo-me com a desilusão e a tristeza dos adeptos do S. C. Braga.

Mas também dou os meus Parabéns ao Clube, por ter chegado tão longe, por se ter feito ver e ouvir na Europa!

Viva o Braga!

17 de maio de 2011

"Ainda o apanhamos!"

As últimas linhas de Os Maias, de Eça de Queirós:

"Os dois amigos lançaram o passo, largamente. E Carlos, que arrojara o charuto, ia dizendo na aragem fina e fria que lhes cortava a face:
- Que raiva ter esquecido o paiozinho! Enfim, acabou-se. Ao menos, assentámos a teoria definitiva da existência. Com efeito, não vale a pena fazer um esforço, correr com ânsia para coisa alguma.
Ega, ao lado, ajuntava, ofegante, atirando as pernas magras:
-Nem para o amor, nem para a glória, nem para o dinheiro, nem para o poder...
A lanterna vermelha do «americano», ao longe, no escuro, parara. E foi em Carlos e em João da Ega uma esperança, outro esforço:
- Ainda o apanhamos!
- Ainda o apanhamos!
De novo a lanterna deslizou e fugiu. Então, para apanhar o «americano», os dois amigos romperam a correr desesperadamente pela Rampa de Santos e pelo Aterro, sob a primeira claridade do luar que subia."

E, agora, uma história, a propósito destas linhas:

Eu tinha 13 ou 14 anos, frequentava o 8º ou 9º ano do liceu. A professora de Educação Visual disse-nos que desenhássemos uma cena de um livro que tivéssemos lido e gostado. Eu já não sei se tinha lido Os Maias completo, ou só partes. Não era propriamente leitura para a minha idade, ainda deparava com as chamadas "partes chatas". De qualquer maneira, fiquei fascinada com a última página, aquela maneira de acabar um romance, dois homens a correr atrás de uma tipóia, a gritar: "Ainda o apanhámos!"

De certeza que mais ninguém teria aquela ideia! Uma boa maneira de impressionar a stôra, ainda nem estávamos na altura da leitura obrigatória de Os Maias, salvo erro, no 11º ano. Pus-me a desenhar o Carlos da Maia e o João da Ega a correr atrás da carruagem. Num balão, a sair das suas bocas, o grito: "Ainda o apanhamos".

Deu-me bom trabalho, nunca tive grande jeito para o desenho. Mas fiquei satisfeita com o resultado e fui mostrá-lo orgulhosa à stôra.

A stôra não entendeu nada daquilo. Olhou-me como se eu não fosse boa da cabeça. Senti-me envergonhada, será que tinha feito um disparate? E perguntei-me: "Uma professora de liceu não conhecerá Os Maias?"

Ela perguntou-me o que significava aquilo e eu expliquei-lhe. Olhou-me ainda mais desconfiada do que da primeira vez. Fiquei com a sensação de que ela pensava que eu estava a inventar. Devolveu-me o desenho, desdenhosa (estaria despeitada, por eu saber mais do que ela?), lançando um seco: "Está bem."

Tenho pena de já não ter esse desenho. E de já não saber como se chamava a stôra, para desancar nela, agora, aqui. Forte e feio!

(Um agradecimento à Teresa, que me inspirou a escrita deste post).

14 de maio de 2011

Venha a próxima!



A Feira do Livro de Lisboa está a chegar ao fim, mas vem aí a do Porto. E eu vou estar lá, no dia 4 de Junho, entre as 16 e as 19 horas, no stand da Ésquilo. Apareçam, para dois dedos de conversa! Se comprarem algum livro, será autografado, mas, se já o adquiriram noutra ocasião, tragam-no, que o resultado será o mesmo.

Também vou à concorrência comprar livros: de Gonçalo M. Tavares (por ter ganho um importante Prémio internacional e por eu ter gostado de extractos que tenho lido), de Pedro Almeida Vieira e Carlos Cordeiro (por escreverem romances históricos) e de Eduardo Sá (por me interessar por Psicologia e tudo o que diga respeito à educação das crianças, apesar de não ter filhos). Além disso, mais alguns "objectos de trabalho": o volume dedicado à Idade Média da História da Vida Privada em Portugal (o projecto é dirigido pelo Prof. José Mattoso e o volume em questão coordenado por Bernardo Vasconcelos e Sousa) e ainda Naquele Tempo, de José Mattoso.

Depois, tiro a fotografia da praxe à pilha dos livros e espeto-a aqui. Quem, nesse dia, decidir passar pelo stand da Ésquilo, também se arrisca a aparecer neste blogue (com a devida autorização, claro, ou sem ser identificado com o nome, se assim o desejar).

12 de maio de 2011

Claves regni celorum



Já vimos que Afonso Henriques, antes de assinar o Tratado de Zamora, prestara homenagem ao cardeal Guido de Vico, pelo que não lhe terá custado, mais uma vez, declarar-se vassalo do primo, sabendo que, em breve, tal vassalagem se tornaria obsoleta.

A 13 de Dezembro de 1143, cerca de dois meses depois do Tratado de Zamora, Afonso Henriques encontrou-se em Braga com o arcebispo D. João Peculiar e com os bispos do Porto e de Coimbra, a fim de se escrever a missiva a enviar ao Papa:


            Afonso acenou em consentimento e o arcebispo dirigiu-se em latim a mestre Alberto, que já se encontrava pronto, de pena na mão e com uma nova folha de pergaminho à sua frente:
            - Afonso, por graça de Deus rei de Portugal, fez homenagem à Sé Apostólica nas mãos do Cardeal dos Santos Cosme e Damião, Guido de Vico, como miles Sancti Petri. Solicita para si e para a sua terra a defesa e o auxílio da Sé Apostólica, não reconhecendo a autoridade de nenhum outro poder eclesiástico e secular, a não ser o da Santa Sé e dos seus legados, para o que pagará o censo anual de quatro onças de ouro...
            A missiva Claves regni celorum, escrita a 13 de Dezembro de 1143, foi subscrita por D. Afonso Henriques e confirmada pelo arcebispo de Braga D. João Peculiar, pelo bispo D. Bernardo de Coimbra e pelo seu congénere D. Pedro Rabaldes do Porto. Ficou combinado que D. João iria a Roma no início do ano seguinte, aproveitando para travar conhecimento com o novo Papa, Celestino II. A notícia da morte de Inocêncio II, em Setembro, tinha chegado à Hispânia apenas em meados de Outubro, já Guido de Vico deixara Zamora, a caminho da Catalunha.

D. João Peculiar


O pedido de vassalagem de D. Afonso Henriques chegou a Roma numa altura conturbada, em que se realizaram dois conclaves no espaço de seis meses. Quando finalmente o nosso primeiro rei segurou nas mãos a resposta de Lúcio II, a bula Devotionem tuam, datada de 1 de Maio de 1144, deve ter ficado desiludido.

Em primeiro lugar, o Papa não o intitulava rei e, sim ilustre duque portucalense. A razão deverá assentar no facto de que não houvera uma coroação sagrada pela Igreja. Lúcio II não dizia claramente que Afonso Henriques estaria livre da suserania do primo, optando por uma linguagem difusa: promete-lhe, tanto a ele, como aos seus sucessores, a protecção de São Pedro para as suas almas, que se pode interpretar como sendo os assuntos espirituais, e para os seus corpos, que serão os assuntos temporais.

Afonso Henriques viu-se, assim, numa situação bastante ambígua. Intitulava-se rei, desde a Batalha de Ourique, título que foi reconhecido pelo imperador, em Zamora, mas na condição de ele lhe prestar vassalagem. Por outro lado, Roma aceitava-o vassalo, ao garantir-lhe a protecção de São Pedro, libertando-o de qualquer suserania temporal, mas intitulava-o, apenas, de duque.

Daqui


Afonso Henriques lutou, durante toda a sua vida, pelo reconhecimento do seu título real. Isto só aconteceria em 1179, com a Bula Manifestis Probatum e só apanhou o nosso primeiro rei em vida (com cerca de 70 anos), porque ele viveu mais tempo do que era costume, naquela época.

É por isso, difícil, estabelecer uma data para a fundação de Portugal:

24 de Junho de 1128, Batalha de São Mamede -  Afonso Henriques alcança o poder sobre o Condado Portucalense (há quem chame a este dia "a primeira tarde portuguesa");

25 de Julho de 1139, Batalha de Ourique - Afonso Henriques é aclamado rei de Portugal pelas suas tropas e não mais deixa de utilizar este título;

5 de Outubro de 1143, Tratado de Zamora - O imperador Afonso VII reconhece oficialmente o título real a Afonso Henriques, mas este declara-se seu vassalo (o que compromete a independência de Portugal);

1 de Maio de 1144, Bula Devotionem tuam de Lúcio II - O Papa aceita a vassalagem de Afonso Henriques (o que o liberta da suserania do imperador hispânico), mas intitula-o de duque;

23 de Maio de 1179, Bula Manifestis Probatum de Alexandre III - Afonso Henriques é reconhecido como rei e Portugal como reino independente.

Selo de D. Afonso Henriques

10 de maio de 2011

Tratado de Zamora

Zamora, nas margens do rio Douro


Há quem indique o dia 5 de Outubro de 1143 como a data da formação do reino de Portugal independente, mas tal não é correcto. É verdade que, no Tratado de Zamora, o imperador de toda a Hispânia, D. Afonso VII, reconheceu o título real a seu primo, fazendo de Portugal um reino. Porém, à semelhança do que acontecera em Tui, Afonso Henriques declarou-se, mais uma vez, vassalo do imperador! O que quer dizer que o Tratado de Zamora, no fundo, mais não foi do que a confirmação do Tratado de Tui, que Afonso Henriques desrespeitara, ao invadir, mais uma vez, a Galiza. Com isso, forçou D. Afonso VII a reconhecer-lhe o título real, mas não conseguiu a tão almejada independência. Aliás, o imperador seu primo nunca lha reconheceu oficialmente.


            Afonso VII reconheceu o título real a seu primo, mas, à semelhança do que fora estabelecido em Tuy, concedeu-lhe o senhorio da cidade leonesa de Astorga. E o suserano dava o governo de uma cidade ou de uma região dos seus domínios ao seu vassalo, precisamente como prova da dependência deste. Afonso Henriques aceitou o senhorio, mas, como sempre, não prestou a homenagem formal, nas mãos do primo, como o fizera nas do cardeal. A situação entre os dois netos de Afonso VI permanecia ambígua: subentendia-se uma relação entre suserano e vassalo, sem, no entanto, se proceder à cerimónia oficial.
Ficou ainda estabelecida uma repartição dos direitos de conquista sobre territórios muçulmanos. O rei português era autorizado a expandir o seu reino para sul, mas deveria confinar-se ao oeste de al-Andalus, denominado al-Gharb, pois o imperador reclamava para si os territórios a leste do rio Guadiana. O que obrigava Afonso a prescindir de Badajoz, apesar de esta cidade ter sido, no passado, a capital de um reino taifa que incluía Lisboa.

Assinatura do Tratado de Zamora


A independência do reino português só seria atingida, depois de Afonso Henriques ser aceite como vassalo do Papa. Para isso, ainda antes de partir para Zamora, o nosso primeiro rei terá prestado homenagem ao cardeal Guido de Vico, em Coimbra.


E assim prestou D. Afonso Henriques a sua homenagem à Sé Apostólica, na pessoa de Guido de Vico. Como era costume, ajoelhou-se perante o cardeal, que tomou as suas mãos nas dele. Afonso declarou-se miles Sancti Petri (cavaleiro de São Pedro) e afirmou não reconhecer a autoridade de nenhum outro poder eclesiástico ou secular, a não ser a do Papa.
Ficou ainda combinado que confirmaria este seu juramento por escrito.



Temos aqui uma situação muito curiosa e que costuma ser ignorada na formação do nosso país: o cardeal Guido de Vico aceitou a homenagem de Afonso Henriques, libertando-o do jugo de Afonso VII e, logo em seguida, serviu de mediador num tratado em que o rei português se declarava vassalo do imperador hispânico! Trata-se, no fundo, de uma verdadeira traição à pessoa do imperador! Como é que um legado papal concordou com tal manobra?

A explicação estará em negociações secretas levadas a cabo entre D. João Peculiar, arcebispo de Braga, e o cardeal Guido de Vico, que terão incluído o casamento de D. Afonso e D. Mafalda de Sabóia. O próprio Prof. Mattoso indicia esta possibilidade, na sua biografia de Afonso Henriques, ao considerar o arcebispo de Braga uma figura chave em todo este processo. O conhecido historiador chega a afirmar que D. João Peculiar terá contribuído tanto para a independência de Portugal, como o próprio Afonso Henriques. Já vai sendo altura de darmos a este importante prelado o destaque que ele merece!

Estátua de D. João Peculiar, em Braga

Continuarei com este tema no próximo post.

Ainda à volta do vegetarismo

O primeiro livro de receitas vegetarianas em língua alemã data de 1651.

8 de maio de 2011

Rio Merdário ou Merdeiro

Numa série de posts sobre a água e os seus usos, nas Memórias de Araduca, lê-se que, para o caso de Guimarães, surge, em documentos medievais, a expressão "rio merdário" ou "merdeiro": designação genérica dos cursos de água que funcionavam como colectores dos esgotos produzidos nas zonas urbanas medievais, de que não faltam exemplos em documentação medieval dos países do Sul da Europa. O autor do blogue, António Amaro das Neves, dá-nos, além de Guimarães, os exemplos de Milão, Piacenza, Novara e Como, na Itália; Cuixà, na Catalunha francesa e Lérida, na Catalunha espanhola.

Eu também encontrara expressão análoga, relativa à cidade de Lisboa, e afirmei-o num comentário, ao qual o autor deu relevo (o que, mais uma vez, agradeço). Aliás, os leitores do meu romance sobre D. Dinis encontram referido, por várias vezes, o "Rego Merdeiro" lisboeta.



No seu livro Lisboa Medieval (Edições Colibri 2008), cujo texto corresponde à sua tese de doutoramento, Carlos Guardado da Silva, além de nos informar sobre as origens da cidade, desde Olisipo a Lušbūna (a Lisboa árabe) dá-nos um retrato completo de Lisboa, desde a sua conquista por D. Afonso Henriques, em 1147, até aos finais da Idade Média.

Assim nos surge o curso de água que atravessava a actual Praça do Comércio e ia desaguar no Tejo e que, no século XIII, se denominava "Rego Merdeiro", precisamente por servir de escoamento aos dejectos urbanos. À altura da conquista da cidade por D. Afonso Henriques, tratava-se de um largo esteiro (referido, entre outros, por Saramago, no seu História do Cerco de Lisboa). No século XIII, porém, Lisboa já crescera para fora da Cerca Moura e o esteiro passara a córrego mal-cheiroso. Tanto, que D. Dinis o mandou encanar. O "Rego Merdeiro" acabou por desaparecer debaixo de construções e, mais tarde, do Terreiro do Paço.

Nota: A série de textos de António Amaro das Neves sobre a água e os seus usos, surge a propósito da exposição "Água é Património", que pode ser visitada no Arquivo Municipal Alfredo Pimenta (Guimarães), de 18 de Abril a 21 de Outubro de 2011.

Os textos do blogue são baseados no livro Mãe-d'água: centenário do abastecimento público de Guimarães, António Amaro das Neves (coordenação e textos), Francisco Costa e António Bento Gonçalves (textos), Eduardo Brito (fotografias) ed. Vimágua/Sociedade Martins Sarmento, 2007.

P.S. Para quando um retrato extensivo de Lušbūna? Aqui fica o meu apelo aos licenciados em História!

7 de maio de 2011

Ainda a propósito da 81ª Feira do Livro de Lisboa (com condomínios privados pelo meio e, mais uma vez, o "megalito" da Babel)

 Palavras de José Mário Silva, o Bibliotecário de Babel (clique, para ler o texto completo):

Se nas últimas edições a LeYa já tinha construído uma espécie de Feira dentro da Feira, os condomínios privados (chamemos-lhes assim) agora multiplicaram-se (...) e a Babel inventou aquele túnel escuro por fora e abafado por dentro (estreito, apertadinho, vagamente claustrofóbico) que mais parece uma metáfora do país.

Será que todos os pavilhões deviam ser iguais, como eram há dez anos? Não sei. Mas a Feira do Livro sempre se distinguiu por ser um espaço onde as assimetrias entre as grandes editoras e as pequenas se esbatiam. Todos tinham direito ao seu espaço, proporcional ao respectivo catálogo e volume de negócios. Hoje, há claramente uma burguesia da edição, a dos grandes grupos açambarcadores de espaço e arquitectonicamente exibicionistas, em contraste com o resto das editoras proletárias, reduzidas a uma uniformidade que a APEL impõe só a alguns. O certo é que há dois pesos e duas medidas, duas Feiras distintas, sobrepostas mas não coincidentes, o que cria uma estranheza a que eu, frequentador há mais de 30 anos, duvido que me venha a habituar.

6 de maio de 2011

A Propósito da 81ª Feira do Livro de Lisboa (já cá faltava)

O blogue da revista Os Meus Livros publica, mensalmente, as Crónicas do Eugénio dos Livros, assinadas por A. V. Gostei particularmente da última, a propósito da Feira do Livro de Lisboa. Aqui está ela, surripiada:


Eugénio vai à Feira

− Feira do Livro? Ouve o que te digo: só vai à Feira do Livro quem não compra livros durante o ano. Há mais gente por lá para comer gelados do que para calcorrear stands e stands de livros, muitos deles técnicos, de direito, infantis e outros. Algures, ainda se encontram uns alfarrabistas e vendedores de best-sellers, mas mais nada. Acho que já nem se devem vender livros na Feira, digo eu.
Não havia dúvida, o tio Adolfo tinha acordado num dia mau e Eugénio fizera o erro de o ir visitar, como habitualmente fazia, com a sua querida mãezinha aos sábados de manhã.
− Fui no ano passado e chegou-me. Nem morto me apanham lá de novo, este ano.
Maldizia agora Eugénio a hora em que lhe dissera que a Feira do Livro de Lisboa tinha começado, e que por lá passara na primeira quinta-feira e vira o movimento das gentes e dos livros.
− Viste foi chuva, é o que é. Aquilo já não é para mim!
Eugénio tinha até visto a Lídia Jorge andando por lá e sentiu-se tentado a ir falar com ela, dizer-lhe que tinha gostado bastante do seu último livro, mas, à última da hora, vacilou, acabando sentado numa das cadeiras da praça LeYa a fingir folhear um livro enquanto olhava de soslaio para a autora. A história da minha vida, pensou.
Com o rejuvenescimento da Feira, Eugénio pensa se a mesma não afasta pessoas como o tio Adolfo. Será que ele preferia andar a esturricar ao sol, subindo uma ladeira imensa sem sítio onde descansar, sem música, cadeiras, quase sem debates ou animação?
Eugénio pensava nisto e veio-lhe à cabeça o espaço da Babel, três megálitos negros deitados que parecem querer apontar a resposta do futuro quando, no fundo, nada mais são do que uma incompreensão sepulcral sobre o que foi e deverá ser esta feira.
Acho que não é da idade, mas se a Feira se tornar assim também eu passarei a soar como o meu tio Adolfo, suspirou Eugénio.
A.V.

4 de maio de 2011

Mais Mimos

Não posso deixar de publicar mais um elogio.

O Manuel Cardoso elegeu a sua melhor leitura do mês de Abril: Crónica do Pássaro de Corda, de Haruki Murakami. Mas ele destaca mais dois livros: Desgraça, de Coetzee e, ao nível da literatura portuguesa, o meu D. Dinis. Nas suas palavras, trata-se de um magnífico romance histórico porque alia duas dimensões que são indispensáveis neste género: a sensibilidade da escritora ao nível das emoções e a fidelidade histórica.

Ainda me estragam com eles...

Entendimento Europeu

Martin Pollack


O jornalista, tradutor e escritor austríaco Martin Pollack ganhou, na Feira do Livro de Leipzig, em Março passado, o Leipziger Buchpreis zur Europäische Verständigung, em inglês Leipzig Book Prize for European Understanding.

Martin Pollack vem de uma família nazi, o seu pai foi chefe da SS e da Gestapo, em Linz, responsável por inúmeras barbaridades, os seus avós eram nazis militantes. Como se vive com uma herança tão pesada? Como arcar com uma culpa que nos deixaram?

À semelhança de Sebastián Marroquín (embora num contexto totalmente diferente) Martin Pollack decidiu assumir as suas responsabilidades, com o objectivo de evitar a repetição dos erros do passado. Dedicou-se ao estudo da língua e da cultura polacas, assim como das línguas eslavas. Na sua carreira de tradutor e escritor, estabelece pontes com a Europa de Leste, tentando neutralizar ódios que ainda existem, uma missão que cumpre há trinta anos.

 

Martin Pollack escreveu, em 2004, um livro sobre o seu pai, o chefe nazi, expondo os crimes, pelos quais ele se envergonha. Numa entrevista, afirma que devemos olhar em frente, construir o futuro, mas, para isso, é importante superar o passado. Isso não significa, porém, pôr um tapete em cima de tudo o que aconteceu, fazendo de conta que não foi nada.

 

Nas suas próprias palavras (tradução minha): “Temos de pôr as cartas em cima da mesa, contar as histórias. Mesmo quando elas são extremamente dolorosas, ou nos fazem corar de vergonha. Na minha opinião, o entendimento só acontece, quando falamos e lidamos abertamente uns com os outros, olhando-nos nos olhos, ao mesmo nível.”

 

Assumindo responsabilidades, assumindo o passado. A história da nossa vida inicia-se antes do nosso nascimento. Todos nós temos uma herança, boa ou má. A diferença está no que cada um de nós faz com ela.

 

(Em estéreo)

3 de maio de 2011

Onde Vais, Isabel?



Este foi o segundo livro que li de Maria Helena Ventura, depois de Afonso, o Conquistador. Gostei mais deste, a linguagem não é tão densa, adquiriu uma leveza que torna a leitura mais fluente.

Também é interessante escrever sobre a vida da Rainha Santa sob a perspectiva de um seu servidor, que vem com ela de Aragão e com direito a enredo próprio. Por outro lado, isso afasta o leitor da personagem principal, ou põe-nos na dúvida: qual será ela? Acabamos por nos identificar mais com o servidor aragonês, passando a rainha para segundo plano. A partir do título, eu esperava entrar mais nos pensamentos e nas motivações de D. Isabel.

De resto, é um romance que nos dá imagens vivas da Idade Média. E a qualidade da escrita de Maria Helena Ventura é indiscutível. A aconselhar, sem dúvida.

Uma palavra para a capa, de que gosto muito.

2 de maio de 2011

Pedido de Desculpa

Venho, por este meio, apresentar as minhas desculpas a António Mourão, candidato, pelo PS, à Junta de Freguesia de Cedofeita, no Porto, nas últimas eleições autárquicas, em 2009. Aquilo que eu interpretei como saloiice, ou mau gosto, trata-se, afinal, de um acto de coragem. António Mourão é cego, por isso, no seu cartaz de campanha, se apresentava de óculos escuros.

Mais uma vez, as minhas sinceras desculpas, foi um erro e já eliminei o post. Em seu lugar, torno a publicar a fotografia, desta vez, exprimindo a minha admiração por este político. Desejo-lhe sucesso e as maiores felicidades, tanto na sua vida profissional, como privada.

O primeiro cego a disputar autárquicas no Porto


Agradeço à Olinda Melo que me informou do meu erro.