Depois do falecimento de D. Afonso VII, imperador de toda a Hispânia, primo e rival de D. Afonso Henriques, a sua herança foi dividida pelos dois filhos: o mais velho tornou-se no rei D. Sancho III de Castela e o outro em D. Fernando II de Leão. Os dois irmãos tentaram apoderar-se de Portugal (ver
Tratado de Sahagún), mas a morte precoce de D. Sancho III acabou por debelar este perigo.
Entregue a uma criança de três anos, o reino de Castela afogou-se em convulsões internas e D. Fernando II de Leão optou por se aproximar do monarca português. Os dois encontraram-se em Celanova, na Galiza, no Outono de 1160, a fim de assinarem um Tratado, que resolveria, igualmente, questões antigas, como a fronteira entre Portugal e Leão nos territórios ainda por conquistar, a sul do Tejo.
- Exijo que anuleis o tratado de Sahagún!
- Esse
tratado morreu junto com o meu irmão - replicou D. Fernando II, com o seu ar indolente.
- Definamos,
então, os territórios mouros que cabem a cada um dos nossos reinos.
O
monarca leonês revirou a ponta do bigode:
- Para
isso, tereis que me restituir a cidade de Tui.
Afonso
respirou fundo:
- De
acordo.
Os dois
soberanos estavam reunidos na cidade galega de Celanova, naquele fim de ano de
1160. O português comprometia-se a respeitar as fronteiras a norte, o leonês a
oeste. E estabeleceriam, enfim, a divisão das terras a conquistar aos infiéis,
reconhecendo os direitos de Portugal nesta matéria.
Como já acordado em
Zamora, estabeleceu-se usar o rio Guadiana como fronteira, embora alguns historiadores calculem que D. Afonso Henriques terá tentado garantir a cidade de Badajoz para si.
Depois de uma curta reflexão, Afonso ousou propor:
-
Gostaria de abrir uma excepção com Badajoz.
O outro
monarca olhou-o espantado:
- A que
propósito?
- Como capital de um grande reino taifa, que incluía
Lisboa, Alcácer do Sal e Évora, Badajoz, apesar de situada na margem esquerda
do Guadiana, sempre fez parte do al-Gharb.
Lisboa e Alcácer do Sal já me pertencem, Évora encontra-se na minha zona de
influência. Sinto-me, por isso, no direito de considerar também Badajoz uma
possível conquista minha.
D. Fernando II de Leão foi, porém, inflexível e, nove anos mais tarde, D. Afonso Henriques tentou conquistar Badajoz, o que lhe saiu bem caro, como veremos.
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D. Fernando II de Leão |
Um outro ponto estabelecido em Celanova foi o casamento de D. Fernando II de Leão com a filha mais velha do monarca português, a infanta D. Urraca. Esta união era polémica por dois motivos: primeiro, o parentesco entre os noivos era muito próximo; segundo, o sucessor de D. Fernando II, poderia, como neto de D. Afonso Henriques, reclamar, para si, o trono português.
Os pormenores foram acertados, os escribas passaram-nos
para o pergaminho e, quando Fernando II já dava a reunião por terminada, Afonso
afirmou:
-
Gostaria de selar este acordo com um contrato de casamento.
- Um
contrato de casamento? - ecoou o rei leonês, olhando abismado para os seus
conselheiros, que se revelavam não menos surpresos.
- Não
preciso de vos dizer que, com vinte e cinco anos, deveríeis cuidar de que vos
nascesse o herdeiro.
- Não me
parece que seja assunto que vos diga respeito.
- Depende.
Se eu vos oferecer a mão da minha filha, já me diz respeito.
D.
Fernando mirou-o espantado, adoptando depois o seu ar sobranceiro:
- Já
alguma das vossas filhas atingiu idade casadoira?
-
Urraca, a mais velha, acabou de completar os doze anos, estará apta a contrair
matrimónio daqui a dois.
O monarca leonês pôs-se pensativo, revirando a ponta do
bigode e tornando a adoptar o olhar divertido e negligente. Os cabelos longos e
lisos caíam-lhe impecáveis ao longo do rosto, espalhando-se por sobre os
ombros. A certa altura, considerou:
- Tendes
razão: preciso de um herdeiro. Quando penso como o meu irmão Sancho morreu tão
de repente...
Não quis dar uma resposta definitiva sem
antes falar a sós com os seus conselheiros, mas acabou por aceitar. Falou-se ainda no facto de ele e a infanta portuguesa
serem primos em segundo grau, mas, sendo Portugal um reino sob a protecção da
Santa Sé, não seria difícil obter uma dispensa papal.
Não se sabe de quem foi a iniciativa de propor este casamento e eu optei por dá-la a D. Afonso Henriques. Na minha opinião, ele não via grande perigo no facto de o futuro monarca leonês ser seu neto, pois, à data de assinatura deste Tratado, ele tinha quatro filhos varões: dois legítimos (os infantes D. Sancho e D. João, que faleceria ainda criança) e dois ilegítimos, filhos de
D. Châmoa Gomes, que eram já valorosos guerreiros. D. Afonso Henriques não poria, assim, a hipótese de haver uma crise de sucessão em Portugal.