O Pedro Correia, falava, a propósito da morte de Amy Winehouse, há um ano, da absoluta incapacidade de certas pessoas para
lidarem com a fama. O mundo está cheio desses casos. Estando de fora, parece-nos absurdo, mas muitos de nós talvez também sucumbissem à fama planetária.
Era notória a dificuldade que Amy Winehouse tinha de atuar em público. A primeira vez que a vi (e ouvi falar dela), salvo erro, num dos
MTV Awards, olhei espantada para aquela figura magra e hesitante. A impressão que me deu foi a de que estava ali perfeitamente deslocada, o que me levou a pensar que estivesse a fingir. Achei-a ridícula.
Depois, porém, ouvia-a na rádio e não era apenas a voz que me encantava, era o sentimento com que ela cantava. Há certas passagens, nas suas canções, uma certa inflexão de voz, que me põem com um nó na garganta. E, à medida que a conhecia, convencia-me de que não fingia. Amy devia ter um grande medo do palco, pânico mesmo, de não estar à altura, de fazer figura de parva (como acabava por fazer), o que indica uma grande falta de autoestima.
Sei que é polémica a assunção de que os pais são os culpados por coisas destas. Os próprios psicólogos não nos sabem dizer quanto do que somos é hereditário e quanto mal/bem nos fizeram os pais, ou as pessoas que nos criaram. E porque é que alguns de nós superam os seus traumas e outros não? É um tema deveras complicado, pois é certo que, ao nascer, já trazemos genes que definem, pelo menos, parte do nosso caráter. Mas também somos aquilo que fazem de nós. Há toda uma mistura de vivências e hereditariedade que torna difícil comparar casos, pelo que afirmações do estilo: “eu também sofri, mas dei a volta”, não levam a lado nenhum e estão longe de ajudar quem se encontra no fundo do poço. Algumas misturas (genes/educação/vivências) serão tão explosivas, que, praticamente, não darão hipóteses de superar aquilo que correu mal.
Não conheço a infância de Amy Winehouse. Mas, quando ela começou a adquirir fama planetária, a família dela pediu aos fãs que lhe não comprassem os discos, pois o dinheiro estragava-a. Este apelo caiu-me muito mal. Posso compreender que estivessem desesperados, mas escolheram o pior caminho. Foi o mesmo que dizer: “ela é boa, mas não lhe liguem, coitada, que lhe faz mal”, o que dá cabo da autoestima de qualquer um (ponham-se no lugar dela). Claro que o dinheiro facilita o acesso às drogas, mas, num caso destes, é um erro reduzir o problema ao facto de se ganhar muito. É só ver a ponta do icebergue. De resto, quem se quiser drogar e embebedar, fá-lo, tendo, ou não, dinheiro.
Quando ela morreu, o pai declarou que ela já não se drogava há mais de um ano e que não bebia há, pelo menos, três semanas. Passado uns dias, foi à casa dela, defronte da qual se encontravam muitos fãs, e começou a distribuir
t-shirts. O que mais me impressionou foi que me parecia agradar-lhe ser o centro das atenções. Por essa altura, a mãe veio desmentir as afirmações do marido, dizendo que a Amy não parara de se drogar e de beber, que o corpo dela estava uma ruína e que os médicos teriam dito que, se não modificasse o estilo de vida, seria, em breve, tarde demais. Como veio a ser.
O pai de Amy Winehouse não seria o primeiro a aproveitar-se de um/a filho/a para brilhar. É algo que nos choca e, por isso, fazemos de conta que coisas dessas não existem. E, no entanto, os pais que usam as suas crianças para obterem a atenção que sempre lhes faltou é mais frequente do que queremos admitir.
A caricatura de Amy Winehouse é da autoria de Fernandes