Em todos os momentos da História, seja na Antiguidade, na Idade Média, ou no nosso tempo, são as mesmas paixões e os mesmos desígnios que inspiram os humanos. Entender a História é entender melhor a natureza humana.

8 de abril de 2025

Um ano com D. Dinis (19)

 NASCIMENTO DE D. PEDRO I E CERCO A PORTALEGRE

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Representação do Rei Pedro I de Portugal na Sala dos Reis, Quinta da Regaleira, Sintra

https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=62092638

Faz hoje 705 anos que nasceu D. Pedro I. Como todos sabemos, este rei ficou sobretudo conhecido pelo seu trágico amor por Inês de Castro.

D. Pedro I era neto de D. Dinis e de D. Isabel, filho de D. Afonso IV. Nasceu numa época complicada, em plena guerra civil, que opunha o seu avô ao seu pai.

Inês de Castro viria a ser assassinada no Paço mandado construir pela rainha Santa Isabel, junto ao mosteiro de Santa Clara, em Coimbra.

 

Nota: Encontrei datas diferentes (18 e 19 de abril) para o nascimento de D. Pedro I, na internet. A data de 8 de abril de 1320 é, contudo, apontada pela Dra. Cristina Pimenta, autora da biografia de D. Pedro I (Temas e Debates 2007). Também o Professor Bernardo Vasconcelos e Sousa, autor da biografia de D. Afonso IV (pai de D. Pedro) e o Profesor Sotto Mayor Pizarro, autor da biografia de D. Dinis (avô de D. Pedro) apontam esta mesma data.

 

Também a 8 de abril, mas em 1299, D. Dinis fez o seu primeiro testamento, antes de partir para uma campanha contra o irmão (o rei contava trinta e sete anos). O infante D. Afonso revoltava-se pela terceira vez. D. Dinis montou cerco a Portalegre, a 27 de abril. O irmão resistiu mais tempo do que o esperado e o rei solicitou a intervenção da infanta D. Branca, a irmã de ambos.

Depois de a infanta ter conferenciado com o irmão mais novo, trouxe informações incomodativas.

- Afonso anda mui estranho - anunciou Branca a Dinis. - Acha-se com mais direito ao trono do que vós.

Com dificuldades em controlar a sua fúria, o rei remeteu-se ao silêncio. E foi Frei Vasco Fernandes quem inquiriu:

- Em que se baseia D. Afonso para afirmar tal?

Depois de uma hesitação, Branca acabou por responder:

- Baseia-se no facto de o matrimónio de meus pais só haver sido reconhecido pela Igreja em Junho de 1263.

Gerou-se um silêncio embaraçante, perante o abordar de um assunto julgado esquecido. À altura do seu matrimónio com D. Beatriz, Afonso III havia sido acusado de bigamia pelo papa Alexandre IV. O rei estava ainda casado com Matilde de Boulogne, apesar de o casal já viver separado há quase uma década.

Seguiram-se cinco anos de contendas graves com a cúria pontifícia. O problema acabou por se resolver com a morte inesperada de Matilde, mas só passada mais meia década, Urbano IV legitimara o segundo consórcio do monarca.

- Afonso nasceu em Fevereiro de 1263 - prosseguiu Branca, - escassos quatro meses antes de o papa passar a bula de legitimação. Essa é a razão por ele dada para se considerar, digamos, mais legítimo do que o irmão rei.

Dinis tinha ganas de ir arrancar o estouvado do irmão ao castelo de Portalegre, a fim de lhe dar uma valente sova.

O infante D. Afonso só se renderia em outubro, logo partindo para o reino de Múrcia, onde possuía senhorios, por parte da esposa.

 

Nota: Apesar de se tratar de um excerto do meu romance (obra de ficção), na sua biografia de D. Dinis, o Professor Sotto Mayor Pizarro refere o infante D. Afonso ter realmente usado este argumento para se considerar com mais direito ao trono do que o irmão mais velho.

 

6 de abril de 2025

Um ano com D. Dinis (18)

 CANTIGA DE AMOR DE D. DINIS

Notação Musical.jpg

A imagem mostra uma anotação musical original de D. Dinis (encontra-se no Arquivo Nacional da Torre do Tombo). O rei poeta não só escrevia os versos, como compunha a música das suas cantigas. Pelo menos, em alguns casos. Não é claro quantas músicas compôs.

Segue-se uma Cantiga de Amor de D. Dinis (com tradução em português actual):

«O meu grande mal foi pousar os olhos na “mia senhor”, pelo que muitas vezes me amaldiçoei, e ao mundo e a Deus. Desde que a vi, nunca mais recordei outra coisa, se não ela; nunca mais sofri por outra coisa, senão por ela. Faz-me querer mal a mim mesmo e desesperar de Deus. Por ela, quer este meu coração sair do seu lugar e eu morro, já depois de ter perdido o juízo e a razão. Todo este mal ela me fez e mais fará».

A mia senhor que eu por mal de mi
vi, e por mal daquestes olhos meus
e por que muitas vezes maldezi
mi e o mund’e muitas vezes Deus,
des que a nom vi nom er vi pesar
d’ al, ca nunca me d’ al pudi nembrar.

A que mi faz querer mal mi medês
e quantos amigos soía haver,
e desasperar de Deus, que mi pês,
pero mi tod’ este mal faz sofrer,
des que a nom vi nom er vi pesar
d’ al, ca nunca me d’ al pudi nembrar.

A por que mi quer este coraçom
sair de seu lugar, e por que já
moir’ e perdi o sem e a razom,
pero m’ este mal fez e mais fará,
des que a nom vi nom er vi pesar
d’ al, ca nunca me d’ al pudi nembrar.

 

In "Cancioneiro de D. Dinis", Nuno Júdice (Editorial Teorema, 1997)

 

4 de abril de 2025

Um ano com D. Dinis (17)

 D. AFONSO X DE LEÃO E CASTELA

Verifica-se hoje o 741º aniversário da morte de D. Afonso X de Leão de Castela, o Sábio. Afonso X era o avô materno de D. Dinis e igualmente poeta. Deixou as Cantigas de Santa Maria para a posteridade, um conjunto de quatrocentas e vinte e sete composições em galaico-português, à época, a língua fundamental da lírica culta em Castela.

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Imagem daqui

Como se vê, D. Dinis tinha a quem sair, não só no que diz respeito à poesia, como a outras medidas régias. Também o avô foi um grande legislador, autor do Fuero Real de Castilla, um conjunto de leis adaptadas às diversas regiões dos seus reinos, e das Siete Partidas, leis baseadas no direito romano. D. Afonso X determinou que os documentos régios fossem redigidos em castelhano, substituindo o latim, e assim o neto Dinis viria a fazer com o português. Fundou igualmente a Escola de Tradutores de Toledo, onde se traduziam documentos do árabe, do grego e do latim para o castelhano. Inúmeros estudiosos de várias nacionalidades se reuniram nessa Escola, pelo que o reinado de D. Afonso X ficou conhecido por as três religiões - cristã, judaica e muçulmana - terem convivido pacificamente em Toledo.

2011-06-08 Toledo 159.JPGCatedral de Toledo Foto © Horst Neumann

Este rei poderoso e culto teve um fim amargo. Descontentes com a sua política de centralização de bens na Coroa, os nobres revoltados conseguiram depô-lo, substituindo-o por seu filho Sancho IV.

D. Afonso X viveu os seus últimos anos em exílio, na cidade de Sevilha. Sua filha D. Beatriz, mãe de D. Dinis, acompanhou-o nessa fase difícil, pelo que o pai lhe deixou, em herança, as vilas de Moura, Serpa, Noudar e Mourão. Esta herança permitiu a D. Dinis alargar a fronteira portuguesa para leste do Guadiana.

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D. Afonso X o Sábio, retratado no Libro de los Juegos, ou Libro de acedrex, dados e tablas.

A obra foi encomendada pelo próprio monarca e data de 1283.

 

30 de março de 2025

Rapidinhas de História #24

A MUI COBIÇADA GALIZA (4)


 

Nota: as Rapidinhas de História vão fazer uma pausa. Regressam daqui a algumas semanas, com mais informações históricas sobre o período da formação de Portugal, informações recolhidas em estudos e teses que me foram postos recentemente à disposição.

24 de março de 2025

Um ano com D. Dinis (16)

 FORAIS DE MIRANDELA E DE BEJA

 

2015-01-05 Mirandela 081.JPGMirandela - Câmara Municipal © Horst Neumann

Verifica-se, durante o mês de março (não se sabe o dia), o 734º aniversário do foral de Mirandela e da confirmação do foral de Beja.

Acabara de nascer o futuro D. Afonso IV, herdeiro de D. Dinis, e no foral de Mirandela, o rei referiu, com orgulho, o mesmo ser concedido juntamente com a rainha «e com os meus filhos Infantes Dom Afonso e Dona Constança». A filha tinha pouco mais de um ano.

 

2010-09-07 2 Beja 030.JPG

Castelo de Beja © Horst Neumann

 

20 de março de 2025

Um ano com D. Dinis (15)

CANTIGA DE AMOR DE D. DINIS

 

Ao som dos alaúdes, Pêro Anes Coelho entoou os primeiros versos da cantiga de autoria de Dinis. A amada era informada de que seu amigo andava tão triste, que já quase não podia falar:
        
    O voss’ amig’, amiga, vi andar
    tam coitado que nunca lhi vi par,
    que adur mi podia já falar,

Os outros dois trovadores juntaram-se-lhe no refrão. O apaixonado suplicava que fossem rogar à amada que tivesse mercê dele:

    pero quando me viu disse-m’ assi:
    «Ai, senhor, id’ a mia senhor rogar
    por Deus que haja mercee de mi.»

Era um poema em jeito de recado. A corte e os convidados seguiam encantados como Pêro Anes Coelho anunciava o coitado haver perdido o juízo e o ânimo:

    El andava trist’ e mui sem sabor,
    como quem é tam coitado d’ amor
    e perdudo o sem e a color,

E, de novo, se lhe juntaram os outros no refrão:

    pero quando me viu disse-m’ assi:
    «Ai, senhor, id’ a mia senhor rogar
    por Deus que haja mercee de mi.»

Embora descrevesse um sofrimento, a cantiga possuía uma melodia leve e muito ritmo, na mudança entre o solista e o refrão.

    El, amiga, achei eu andar tal
    como morto, ca é descomunal
    o mal que sofr’ e a coita mortal,
    pero quando me viu disse-m’ assi:
    «Ai, senhor, id’ a mia senhor rogar
    por Deus que haja mercee de mi.»

 (Excerto do meu romance "Dom Dinis . a quem chamaram O Lavrador")

Nota: Todas as Cantigas de Amigo transcritas no meu romance são originais de D. Dinis, embora seja fictício o contexto em que são inseridas.

18 de março de 2025

Um ano com D. Dinis (14)

O FIM DOS TEMPLÁRIOS

 

Jacques de Molay.jpg

A 18 de março de 1314, Jacques de Molay, Mestre dos Templários franceses, assim como outros grandes dignitários da Ordem, foram queimados em Paris, por ordem de Filipe IV. Foi o culminar da grande campanha de difamação, levada a cabo pelo monarca francês.

Ao ser queimado, Jacques de Molay fez uma profecia: ainda antes do fim desse ano de 1314, os dois maiores responsáveis pela destruição dos Templários morreriam.

A profecia cumpriu-se. O papa Clemente V morreu passado cerca de um mês, a 20 de abril, com cinquenta anos. E o rei francês Filipe IV acabaria por sucumbir a um acidente de caça, a 29 de novembro, com apenas quarenta e seis.

 

Clemente e Filipe.jpg

 

Nota: os links das imagens, que copiei nove anos atrás, deixaram de funcionar. Fiquei assim sem referência, pelo que peço compreensão aos visados.

 

14 de março de 2025

Um ano com D. Dinis (13)

ORDEM DE CRISTO

Ordem de Cristo.jpg

Faz hoje 706 anos que foi instituída, no reino de Portugal, a Ordem de Cavalaria de Nosso Senhor Jesus Cristo, através da bula Ad ea ex quibus de João XXII. O papa determinava que a nova Ordem se destinava a manter a cruzada religiosa contra os sarracenos. Atribuiu-lhe a regra de Calatrava, sujeitou-a à jurisdição do abade de Alcobaça e colocou a sua sede em Castro Marim.

A Ordem de Cristo veio substituir a dos Templários, suprimida pelo papa Clemente V, influenciado pelo rei francês, Filipe IV, que tudo fez para difamar os cavaleiros do Templo.

Na Península Ibérica, porém, a campanha de difamação não encontrou grande eco, devido à fama dos Templários, criada nas lutas da Reconquista. À semelhança dos outros reis hispânicos, D. Dinis protegeu a Ordem e promoveu diligências para que uma outra fosse criada, entregando à Ordem de Cristo todos os bens que tinham pertencido aos Templários. Teve, no entanto, de enfrentar alguma oposição interna:

Em Março, quando se deu início à construção de um claustro no mosteiro de Alcobaça, Dinis recebeu notícias da Santa Sé confirmando os receios do Mestre. Numa bula de 22 de Novembro, intitulada Pastoralis praeeminentiae, Clemente V recomendava a todos os príncipes da Cristandade a prisão dos Templários e a confiscação dos seus bens. Dinis entrou em contacto com o genro Fernando IV e o cunhado Jaime II e resolveu-se não se tomarem medidas, enquanto se aguardava pelo resultado do inquérito do clero hispânico.

Em Abril, quando Dinis chegou à Beira, constatou tal resolução estar longe de agradar a toda a gente. O bispo da Guarda D. Vasco Martins de Alvelos advogava o cumprimento das recomendações do pontífice:

- Ignorais uma bula papal? E olvidais que Jacques de Molay confessou os pecados mais terríveis? Heresia, usura, sodomia! Se os franceses se davam a essas práticas repugnantes, os hispânicos não serão mui diferentes…

- Credes realmente que os freires do Templo fomentavam tais costumes? - contrapôs Dinis. - Sob tortura, qualquer um é levado a confessar, principalmente, o que não fez. Além disso, o Mestre francês desmentiu a sua confissão dois meses mais tarde.

- O que prova a sua falta de carácter.

- Ou constatar o não cumprimento de certas promessas?

O bispo olhou o seu monarca desconfiado:

- Que quereis dizer?

- Frei Vasco Fernandes é de opinião que Jacques de Molay terá confessado os crimes, acima de tudo, perante a promessa de que, se o fizesse, os restantes irmãos seriam poupados aos suplícios por ele próprio já experimentados. Mais tarde, ao verificar tal não passar de um artifício, desmentiu a sua confissão.

- Ora, Alteza, é claro que eles se protegem uns aos outros. A opinião de Frei Vasco Fernandes, neste caso, é mais do que suspeita.

- Tenho Frei Vasco Fernandes em grande estima e confio no seu juízo. Como aliás em todos os membros portugueses da Ordem. Bem sabeis como eles sempre lutaram com bravura contra a ameaça sarracena e como a sua presença é preciosa em muitos pontos da fronteira, garantindo a defesa e o povoamento.

In "Dom Dinis - a quem chamaram o Lavrador"

 

Nota: o link que utilizei, há nove anos, para identificar a imagem que ilustra este postal, já não existe. Fiquei assim sem qualquer tipo de referência, pelo que peço a compreensão dos visados.

11 de março de 2025

Um ano com D. Dinis (12)

AS VILAS A LESTE DO GUADIANA

11 de Março é uma data simbólica da nossa história recente. Mas também o foi há 746 anos.

A 11 de março de 1281, o rei D. Afonso X de Leão e Castela concedeu terras e igrejas aos Hospitalários, a título de escambo, para os compensar da perda de Moura, Serpa, Noudar e Mourão. O monarca castelhano pretendia doar estes lugares e vilas à filha D. Beatriz, rainha-viúva de Portugal. D. Beatriz tinha-se refugiado na corte castelhana, depois de enviuvar, por desentendimentos com o filho D. Dinis.

 

DinisQuadro.jpgImagem de D Dinis, publicada na História Universal da Literatura Portuguesa (2006)

 

Depois de aguardar uns momentos, Dinis inquiriu:

- As vilas de Moura, Serpa, Noudar e Mourão continuam em vosso poder, não é verdade?

- Sim, com todos os seus termos, castelos, rendas e direitos. Foi essa a recompensa de vosso avô, por eu lhe haver prestado assistência.

- Presumo então nada terdes contra o facto de integrá-las no reino de Portugal.

Beatriz fixou-o pensativa e, assim pareceu a Dinis, um pouco acusadora. Na verdade, o rei receava que ela dissesse ele não merecer tal, por ter abandonado o avô. Mas ela acabou por retorquir:

- Longe de mim contrariar vosso pai nessa questão.

- Meu pai?!

- Fosse ele vivo, não tenho a menor dúvida de qual seria a sua vontade.

Para Dinis, aquela era uma vitória de sabor amargo. Sua mãe concordava em alargar a fronteira portuguesa para leste do Guadiana, mas, pelos vistos, não porque ele merecesse, ou por ela lhe querer dar esse gosto.*

 

Foi graças a esta herança de sua mãe, que D. Dinis pôde alargar a fronteira portuguesa para leste do Guadiana, alargamento confirmado no Tratado de Alcañices, a 12 de Setembro de 1297.

 

*Excerto do meu romance "Dom Dinis - a quem chamaram O Lavrador"

8 de março de 2025

8 de Março

Publiquei este vídeo ontem à noite, no YouTube, Facebook e Instagram. Tem sido dos vídeos menos vistos de minha autoria. Penso que o tema é desconfortável demais. No Dia da Mulher, elogiam-se as capacidades e as características das mulheres, relembram-se as suas lutas, recorda-se o quanto há ainda para fazer. Tudo indubitavelmente importante. Estou, porém, convencida de que as mudanças apenas serão completas, quando o estatuto das prostitutas mudar também. As prostitutas são estigmatizadas, os seus clientes não. É preciso uma mudança de mentalidades. Enquanto os homens considerarem que é de seu direito comprar sexo, usando uma mulher como um produto, não pode haver igualdade.

Quando se fala de mulheres, ninguém se lembra delas. Apagam-se, como se não existissem. E, no entanto, são mulheres como as outras. Mulher é mulher. Seja a mãe mais considerada, seja a que vende o seu corpo. 


 

 

7 de março de 2025

Um ano com D. Dinis (11)

CERCO A COIMBRA

A 7 de março de 1322, D. Dinis cercou a cidade de Coimbra. O reino português encontrava-se em plena guerra civil, entre o rei e o seu herdeiro, futuro D. Afonso IV. O príncipe havia tomado posse de Coimbra, pela força, a 31 de dezembro de 1321. Naquele dia de março, também D. Isabel para lá se dirigiu, deixando o seu desterro em Alenquer, ordenado pelo próprio D. Dinis, que a acusava de pactuar com o filho. Esta guerra desgastou muito o rei, pode mesmo ter acelerado a sua morte.

Como se vê, havia um grande drama familiar por trás da guerra que dilacerou o reino português no início do século XIV. Não deixa de ser estranho, tendo em conta os protagonistas: um rei culto, justo e amigo do povo; uma rainha exemplar; o filho dos dois.

DinisCoimbra.jpgPormenor da estátua de D. Dinis em Coimbra

Vendo a derrota à frente, Dinis pediu a Isabel:

- Suplico-vos que arranjeis guisa de estabelecer a paz sem que haja vencedor nem derrotado.

- Pedis-me o impossível.

Dinis aproximou-se dela e, pegando-lhe nas mãos, insistiu:

- Intercedei junto de Deus! Diz-se já haverdes feito milagres… Não o podereis tornar a fazer?

A rainha engoliu em seco e replicou:

- A graça de fazer milagres só é concedida quando Deus assim o entende, não depende da minha vontade. Sou um mero instrumento nas Suas mãos.

- Quereis dizer nada poderdes fazer por mim?

Ela fechou os olhos por um momento e quando os abriu, disse:

- Darei o meu melhor. Mas haverei mister de auxílio, de um mediador, a quem Afonso dê realmente ouvidos. E não me ocorre mais ninguém tão adequado como o conde de Barcelos.

Dinis estremeceu perante a menção daquele seu bastardo, por ele próprio destituído do cargo de alferes-mor e da maior parte das suas rendas, obrigando-o ao exílio. Até àquele momento, considerara-o um traidor. Agora, deu consigo a perguntar:

- Pensais que ele consentirá em falar comigo?

- Com certeza. Pedro Afonso é uma alma gentil, que não guarda rancor… E que vos ama e respeita como ninguém.*

 

Graças às intervenções de D. Isabel e do conde D. Pedro de Barcelos, o rei retirou para Leiria e o infante para Pombal. Em Maio, encontraram-se em Leiria e assinaram um acordo de paz. D. Dinis, porém, que já passara dos sessenta, foi acometido de doença grave à sua chegada a Lisboa.

 

Nos piores momentos da sua enfermidade, os cuidados e a dedicação de Isabel provaram ser imprescindíveis. O rosto dela iluminava o dia mais triste, a sua voz confortava, a sua serenidade dava confiança e coragem e o toque das suas mãos era bálsamo para almas aflitas. Isabel era a esperança transformada gente, como se Deus houvesse decidido dar uma forma humana a esse sentimento. E, apesar de haver amado outras mulheres e de, muitas vezes, haver odiado a rainha, Dinis não desejaria ter qualquer outra perto de si naquelas horas difíceis.*

 

D. Dinis melhorou. Mas a paz assinada com o filho foi quebrada cerca de ano e meio mais tarde, depois das Cortes de Lisboa, em Outubro de 1323. A guerra civil entraria na sua última fase.

 

Afonso IV Selo.jpgD. Afonso IV

 

* Excertos do meu romance "Dom Dinis - a quem chamaram o Lavrador"

 

1 de março de 2025

Um ano com D. Dinis (11)

 FORAL DE ALFAIATES

 

 

Alfaiates Brasão.png

 

A 1 de Março de 1297, D. Dinis concedeu foral a Alfaiates, freguesia do concelho do Sabugal, embora esta localidade leonesa só tivesse sido oficialmente integrada em Portugal no Tratado de Alcañices, a 12 de Setembro desse mesmo ano.

 

28 de fevereiro de 2025

Um ano com D. Dinis (10)

 INFANTA D. BRANCA DE PORTUGAL

 

Faz hoje 766 anos que nasceu a Infanta D. Branca de Portugal, a irmã mais velha de D. Dinis, primeira filha de seus pais D. Afonso III e D. Beatriz de Castela. Recebeu o nome da tia-avó paterna, Branca de Castela, regente em França durante a menoridade do filho Luís IX. Esta rainha acolhera o sobrinho Afonso (futuro Afonso III), na corte francesa.

D. Branca recebeu de seu avô Afonso X de Leão e Castela a herança de 100 000 marcos, que lhe deveria servir de dote. Porém, a infanta teve uma doença grave, pouco depois da morte do avô, prometendo dedicar a sua vida ao mosteiro de Las Huelgas de Burgos, caso sobrevivesse. Assim aconteceu e D. Branca usou o dote na reconstrução do mosteiro.

 

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Codex Manesse

Apesar de ter vivido longe de Portugal, a infanta manteve o contacto com o irmão Dinis, auxiliando-o em várias situações, nomeadamente, servindo de mediadora entre o rei e o irmão mais novo, nas revoltas que este levou a cabo.

Branca não professou, mas ficou conhecida como uma das maiores benfeitoras do mosteiro de Las Huelgas de Burgos e foi lá sepultada. Apesar de não ter casado, terá tido uma relação amorosa com o mestre carpinteiro responsável pelas obras do mosteiro, tendo dado um filho à luz, que foi incluído na nobreza castelhana (um episódio não esclarecido).

A infanta D. Branca morreu a 17 de abril de 1321. A sua sepultura pode ser visitada no referido mosteiro.

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Lancastermerrin88, CC BY-SA 4.0

 

 

27 de fevereiro de 2025

Um ano com D. Dinis (9)

 FUNDAÇÃO DO MOSTEIRO DE ODIVELAS

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Imagem Câmara Municipal de Odivelas

 

Faz hoje 730 anos que D. Dinis fundou o Mosteiro feminino cisterciense de Odivelas.

A 27 de fevereiro de 1295, deu-se lugar à cerimónia do lançamento da primeira pedra do mosteiro de São Dinis, em Odivelas, uma planície atravessada por um riacho e entre três pequenos montes: Luz, Togais e São Dinis. Seria construído um imponente edifício, que abrigaria cerca de oitenta monjas pertencentes à Ordem de São Bernardo, tal como os frades de Alcobaça.

Dinis presidiu à cerimónia, juntamente com a rainha e os dois filhos, e doava ao mosteiro todos os bens que possuía em Odivelas: vinhas, pomares, hortos, moinhos e azenhas, além de uma capela, casas e edifícios, onde a comunidade viveria durante a construção do convento. Também lhe doava outros bens na Charneca, em Pombeiro, Xabregas e Alenquer, incluindo o padroado da igreja de Santo Estêvão daquela vila. E, abrindo uma exceção nas leis de desamortização que ele próprio promulgara, autorizava a nova instituição a herdar os bens de raiz das suas monjas.

No seu discurso, o monarca referiu que aquele mosteiro seria construído

especialmente em honra e louvor de São Dinis e de São Bernardo, pelas nossas almas e dos Reis que antes de nós foram, e em remissão dos nossos pecados e dos nossos sucessores, fundamos e fazemos de novo em a nossa câmara de morada, que nós havíamos no termo da nossa cidade de Lisboa, no lugar que é chamado de Odivelas.

(excerto do meu romance)

Conforme foi seu desejo, D. Dinis foi sepultado neste mosteiro. Há cerca de dez anos, foi chamada a atenção para o avançado estado de degradação em que se encontrava o túmulo. Criou-se a página do Facebook  Vamos salvar o túmulo do rei D. Dinis, iniciativa que deu frutos. Não só o túmulo foi restaurado, como foi possível fazer a reconstrução facial do Rei Lavrador. Estão programadas mais revelações sobre ele, ao longo deste ano.

D. Dinis majestoso Nuno Luís FB.jpg

Imagem

 

26 de fevereiro de 2025

Um ano com D. Dinis (8)

TRANSFERÊNCIA DO ESTUDO GERAL

 

Faz hoje 717 anos que o papa Clemente V autorizou a transferência do Estudo Geral para Coimbra, cerca de um ano depois de ter sido feito o pedido. O Estudo Geral das Ciências, percursor da Universidade, foi fundado em Lisboa, em Agosto de 1290, mas D. Dinis decidiu transferi-lo para Coimbra cerca de dezassete anos mais tarde.

Do meu romance:

           No início de 1306, Dinis reuniu-se com o arcebispo de Braga e o bispo de Coimbra, a fim de tratar de um assunto que não tolerava mais adiamentos: a transferência do Estudo Geral para Coimbra. A situação em Lisboa tornara-se insustentável, os escolares não mais haviam parado com os seus protestos e os conflitos iam-se agravando, afetando, não só grande parte da população, como os visitantes. Ao porto de Lisboa chegavam frequentemente galés estrangeiras e os estudantes, no seu descontentamento, abusavam da imunidade que Nicolau IV lhes concedera, envolvendo-se em toda a espécie de rixas.

            O Estudo, porém, teria de ser preservado, Dinis via a necessidade de formar especialistas portugueses, sobretudo em leis. Coimbra parecia ser a solução ideal, era bem mais sossegada e o rei planeava criar um burgo, adjacente à alcáçova, exclusivamente destinado aos estudantes. Além disso, o mosteiro dos Cónegos Regrantes de Santa Cruz, com a sua biblioteca, estaria em condições de lhes dar o mesmo apoio do de São Vicente de Fora, fundado por Afonso Henriques precisamente em homenagem ao de Santa Cruz de Coimbra.

            D. Estêvão Anes Bochardo, chanceler-mor do reino e bispo de Coimbra, regozijava-se com a transferência. A colaboração de D. Martinho Peres de Oliveira, arcebispo de Braga, era imprescindível, pois a medida teria de ser aprovada por Roma.

 

A Universidade haveria de trocar de local, sempre entre Lisboa e Coimbra, durante alguns séculos.

21 de fevereiro de 2025

Um ano com D. Dinis (7)

O SOLHO DESCOMUNAL

Faz hoje 704 anos que D. Dinis mandou elaborar uma ata curiosa, assinada por testemunhas de alta guisa e autenticada por um escrivão. Nela ficaram descritas as características de um solho descomunal pescado no Tejo, perto de Santarém.

Tal documento intriga os historiadores, perguntam-se em que circunstâncias terá ocorrido a sua elaboração. Sendo comummente aceite que D. Dinis era dado à vida boémia, criei uma cena alusiva, no meu romance sobre o Rei Lavrador.

 

Pauta e Músicos.jpg

 Fonte da imagem

 

A cantiga acabou entre aplausos e gargalhadas estrondosas e os convivas reclamavam a sua repetição, quando um criado anunciou pretender D. Guedelha, rabi-mor do reino, falar com el-rei. Tinha um colosso de peixe para lhe mostrar. Dinis mandou-o entrar e D. Guedelha surgiu acompanhado por quatro serviçais carregando um solho descomunal acabado de retirar do Tejo.

- Assim que lhe pus os olhos em cima - afirmou o judeu, - disse para a minha gente: ala a mostrá-lo a el-rei, que nunca na sua vida viu tal.

- E é verdade - concordou Dinis. - Estais de parabéns, D. Guedelha. Pegai numa taça e bebei connosco.

Depois de se inclinar numa vénia, o rabi-mor agradeceu. Os fidalgos começaram a comentar as dimensões do colosso: na boca, caberia um raposo inteiro e, desde aí, até à cauda, contavam-se, no espinhaço, trinta escamas do tamanho de conchas. Constatou-se ainda que o peixe media dezassete palmos e meio de comprimento e sete de grossura. El-rei quis saber quanto pesava e sugeriu que se deslocassem à adega, onde se encontrava a balança.

- E vamos todos. Um colosso destes merece testemunhas de peso.

Os fidalgos, rindo da piada achada oportuna, levantaram-se, com as suas taças de vinho na mão. O alferes-mor João Afonso, que mal se aguentava em pé, ia ainda apossar-se de uma jarra, quando o cunhado de la Cerda lhe atirou:

- Homem, deixai aqui a jarra, que ainda a derramais pelas escadas abaixo.

As gargalhadas aumentaram ainda de tom às palavras do falcoeiro Afonso Fernandes de Baião:

- Onde já se viu? O homem tem medo de morrer à sede numa adega cheia de pipas.

Em passos trôpegos e no meio de grande algazarra, lá chegaram ao seu destino. Depois de se pesar o peixe, pasmaram: dezassete arrobas e meia, pelos pesos de Santarém.

Todos juravam nunca haver visto cousa assim e Dinis ordenou que o fenómeno ficasse registado. Mandou procurar um escrivão que estivesse sóbrio. E logo ali se elaborou uma acta, onde se registaram as medidas e o peso do solho, confirmadas pela assinatura de todos os presentes.

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Uma jovem de vinte anos, uma égua e uma viagem da Alemanha até Portugal (8)

BALANÇO

 

A 23 de Dezembro, três semanas e meia depois da sua chegada a casa, Jette fez um balanço da sua viagem. Ao organizar um livro de fotografias, recordou, passo a passo, as suas vivências e apercebeu-se, mais do que nunca, da singularidade da sua experiência.

Atravessou o rio Reno de ferry; amarrou a Pinou à porta de um supermercado; dormiu num estábulo; o pai levou-a através da França, para que ela pudesse retomar a viagem em Burgos; cavalgou ao longo do Atlântico; dormiu em casa de pessoas desconhecidas, incluindo homens acabados de conhecer, apenas porque eles a abordaram de maneira simpática e perguntaram: “queres dormir aqui?”. Porém, diz Jette, nunca sentiu receio, nem insegurança. Todas as pessoas se revelaram prontas a ajudá-la, com a melhor das intenções.

Jette notou igualmente a diferença que a viagem operou na Pinou. A égua dormiu em alguns sítios sozinha e/ou ao ar livre, assim como num estábulo com cavalos que lhe eram estranhos. As duas atravessaram florestas solitárias, Pinou chegou até a caminhar solta, à sua frente. A égua emagreceu um pouco, mas seria praticamente impossível evitá-lo, numa jornada tão longa. Mantendo-se em contacto com a dona, Jette sabe, entretanto, que a Pinou recuperou o seu peso normal e se encontra calma e feliz. A relação de completa confiança estabelecida entre ela e o animal, as pessoas incríveis que conheceu e as lindas paisagens foram, segundo a moça, as melhores vivências.

Ao folhear o livro de fotografias, Jette apercebe-se de como foi incrível elas não terem desistido. E conseguir regressar à Alemanha, sem levar a Pinou consigo. O facto de logo ter sido solicitada para tratar, montar e educar novos cavalos ajudou-a a diminuir as saudades da Pinou.

A moça agradece ainda o apoio dos pais, do namorado, de família, amigos e da dona da Pinou. Acompanharam o seu diário de viagem, comentaram, deram-lhe ânimo. As novas tecnologias têm muitos aspectos positivos, basta dar-lhes o uso adequado.

Jette diz que nunca se sentiu sozinha, durante a viagem, pois tinha a Pinou a seu lado. E eu penso ter sido precisamente isso a dar-lhe uma permanente sensação de segurança. Ela não fez a viagem de bicicleta, tinha um animal consigo, um ser vivo. Embora a Pinou pertença a uma raça relativamente pequena, um cavalo impõe sempre respeito. É o suficiente para afugentar quem nada entende de animais, ou cobardes. E sabemos: homens que molestam mulheres são cobardes. A não ser que estejam munidos de uma arma para, neste caso, dar cabo do animal. Mas isso, na nossa Europa, é felizmente raríssimo.

Neste postal, a comentadora Susana V. não deixou de referir ser imprudente “uma jovem de 20 anos com a responsabilidade enorme de tratar de uma égua, a viajar por terras despovoadas”, embora diga também que “as boas aventuras são muitas vezes comportamentos inconscientes que correram bem”.

Admiram-se sempre as aventuras dos rapazes, enumerando, com entusiasmo, os perigos por que passaram. Em relação a raparigas, somos mais críticos. Há mais perigos à sua espreita. E duvida-se mais facilmente das suas capacidades (neste caso, em tratar de uma égua). Mas a Jette provou que não tem de ser assim.

E não, não pretendo igualar os sexos, mas o respeito e a consideração que se lhes devota. Trata-se de não ver, num ser humano, uma presa à mercê de alguém, apenas por ser mulher. Por mais que muita gente insista em que a sociedade evolui por si própria, num processo natural, sem necessidade de exageros e sobressaltos, estes são essenciais. Tem de haver solavancos e ruturas. São necessárias pessoas que se atrevam a dar passos no desconhecido, quebrando tabús. A Jette não foi a primeira mulher a viajar sozinha. Mas mulheres dessas ainda representam uma exceção.

E não esqueçamos igualmente a mentalidade europeia. Foi na velha e bela Europa que isto aconteceu. Não poderia ter acontecido em muitas outras partes do mundo.

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19 de fevereiro de 2025

Um ano com D. Dinis (6)

 CANTIGA DE AMOR DE D. DINIS*

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Codex Manesse

 

Como justificareis a minha morte perante Deus? Pois que me matastes a mim, cujo único mal é o grande amor que vos tenho, que não há amor maior, e por vós morrerei. Essa será a única razão que Lhe podeis dar da minha morte, não O podereis enganar, que Ele bem sabe quanto vos amo e que nunca mereci que de vós me adviesse a morte. Por tal injustiça, nunca d’ Ele obtereis perdão, pelo que sereis condenada, quando todos formos diante d’ Ele.

Que razom cuidades vós, mia senhor,
dar a Deus, quand’ ant’ El fordes, por mi
que matades, que vos nom mereci
outro mal senom que vos hei amor
aquel maior que vo-l’ eu poss’ haver,
ou que salva lhi cuidades fazer
da mia morte, pois por vós morto for?

Ca na mia morte nom há razom
bona que ant’ El possades mostrar,
desi nom o er podedes enganar,
ca El sabe bem quam de coraçom
vos eu am’ e nunca vos errei;
e por em quem tal feito faz bem sei
que em Deus nunca pod’ achar perdom.

Ca de pram Deus nom vos perdoará
a mia morte, ca El sabe mui bem
ca sempre foi meu saber e meu sem
en vos servir. Er sabe mui bem
que nunca vos mereci por que tal
morte por vós houvesse, por em mal
vos será quand’ ant’ El formos alá.

 

*Não está ligada à data de hoje (penso não se saber quando foi criada), mas irei aleatoriamente publicando poesia de D. Dinis.

16 de fevereiro de 2025

Rapidinhas de História #19

 A VERDADEIRA ESTRATÉGIA DE D. TERESA

 


 

Um ano com D. Dinis (5)

 ACLAMAÇÃO DE D. DINIS E A QUESTÃO DO ALGARVE

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D. Dinis foi aclamado rei de Portugal há 746 anos. Tinha apenas dezassete.

A aclamação deu-se depois da morte de seu pai, nesse mesmo dia. D. Afonso III foi sepultado em São Domingos de Lisboa. Dez anos mais tarde, foi trasladado para Alcobaça.

Também a 16 de Fevereiro, mas doze anos antes, foi assinado em Badajoz o documento que legitimou para sempre a integração do Algarve em Portugal.

D. Afonso III conquistara as praças do Algarve com a ajuda da Ordem de Santiago, cujos cavaleiros portugueses estavam dependentes do Mestre castelhano. Por isso se sentia o rei Afonso X de Leão e Castela com direito a exigir vassalagem ao monarca português por esse território.

Conquista de Loulé.jpgConquista de Loulé, Luís Furtado

Os primeiros passos para a resolução do problema foram dados em Maio de 1253, quando D. Afonso III, ignorando o seu casamento com Matilde de Bologne, desposou a filha mais velha do rei castelhano (ilegítima) D. Beatriz. Depois do nascimento de D. Dinis, Afonso X de Castela enfeudou o Algarve ao neto, a fim de acabar com a situação de vassalagem do rei português ao castelhano, causadora de mal-estar em Portugal.

Porém, se ele aliviou a situação, não a resolveu. Uma vez chegado ao trono, D. Dinis deveria igualmente prestar vassalagem ao rei castelhano por aquele território. Iniciou-se uma acção diplomática e, no dia 16 de Fevereiro de 1267, em Badajoz, Afonso X concordou em renunciar a todos os seus direitos sobre o Algarve, recebendo em compensação as povoações de Aroche e Aracena, conquistadas por Afonso III em 1251. O Guadiana ficou a demarcar a fronteira entre Portugal e Leão, a partir da foz do Caia para sul. Essa fronteira seria modificada trinta anos depois, pelo próprio D. Dinis, no Tratado de Alcañices (12 de Setembro de 1297).

Afonso X.jpg Afonso X, "o Sábio", avô materno de D. Dinis

 

14 de fevereiro de 2025

Uma jovem de vinte anos, uma égua e uma viagem da Alemanha até Portugal (7)

 

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O atravessar da fronteira (frame)

14 de Novembro de 2024, 68º dia de viagem: partindo de La Alamedilla, Jette atravessou a fronteira, perto de Aldeia da Ribeira, concelho do Sabugal.

Chegava finalmente a Portugal e a paisagem encantou-a, desde o primeiro minuto. Só o tempo não estava agradável, com frio e chuva miudinha. Jette escreveu no seu diário nunca ter pensado passar mais frio em Portugal do que em Espanha. Típico de alemães, têm sempre a ideia de que em Portugal nunca faz frio…

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Continuam as manadas de bovinos

Jette penetrou na Reserva Natural da Serra da Malcata, atravessou um rio e passou por um lago formado por uma barragem. Depois de uma consulta ao Google Maps, presumo ter sido na zona de Alfaiates.

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Mais tarde, ela enviou a sua localização à pessoa que a hospedaria, em Souto. Um homem veio ao seu encontro, igualmente a cavalo (nada devendo, em cortesia, aos espanhóis) e guiando-a até às cavalariças, onde a Pinou ficou instalada.

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Na aldeia, Jette pernoitou numa, como ela escreveu, “casa enorme”. Depois do jantar, foi levada a um bar, onde toda a gente falava inglês (nisto, temos claramente vantagem em relação a nuestros hermanos), proporcionando-lhe bons momentos de conversa.

15 de Novembro de 2024, 69º dia de viagem: de Souto a Vale da Senhora da Póvoa.

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À despedida, o dono da quinta onde Jette pernoitou surpreendeu-a com uma t-shirt da sua propriedade.

Pelo caminho, o mapa mostrava uma ponte, onde poderia atravessar um pequeno rio. Lá chegada, porém, Jette viu apenas uma passagem estreita, sem qualquer tipo de proteção.

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Não vislumbrando alternativa, Jette fez-se à travessia arriscada. E a Pinou passou o teste com bravura.

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Esta foi uma etapa cansativa e demorada, com subidas e descidas íngremes e alguma chuva.

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Começou a escurecer, antes de chegarem ao seu destino, e tiveram de usar uma estrada com trânsito automóvel. Mesmo provida de colete refletor e iluminação no seu capacete (frente e traseira), Jette esteve em permanente alerta, respirando de alívio, quando finalmente chegou.

Foi convidada para jantar e passou um serão agradável. Mas, quando se recolheu, lembrou-se dos cães acorrentados, ao longo do caminho, e acabou por escrever no seu diário (tradução minha): “Em Espanha e em Portugal, os animais são frequentemente mantidos de maneira diferente ao que estou habituada: muitos cães estão permanentemente acorrentados, burros e cavalos trancados, ou amarrados no meio do nada. Isto deprimiu-me um pouco.”

16 de Novembro de 2024, 70º dia de viagem: de Vale da Senhora da Póvoa até Pedrógão de São Pedro. 25,8 km, com alguns montes para vencer.

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Como sempre, Jette desmontou nas subidas. Por vezes, até largou a Pinou, para que ela pudesse escolher o próprio ritmo. E a égua acabou por surpreender a moça com a sua agilidade. Era mais rápida, mas esperava por ela, quando a distância entre as duas aumentava. A relação entre a moça e a égua atingira a perfeita harmonia. E Jette, caminhando atrás, constatou que a Pinou estava mais musculosa do que antes da viagem.

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As canseiras eram recompensadas com a beleza da paisagem, embora o tempo continuasse chuvoso.

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Em Pedrógão de São Pedro, ficaram instaladas na quinta de uma senhora que Jette conhecia do Instagram.

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A moça resolveu repousar durante um dia. O cansaço não foi, porém, o único motivo para a pausa. As duas tinham apenas mais uma etapa pela frente e Jette, apesar de se sentir aliviada por as duas terem vencido tantos quilómetros sãs e salvas, receava o momento da despedida.

Aproveitou a pausa para escovar a Pinou e tratar-lhe dos cascos.

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Depois do jantar, tornou a ir ao estábulo, a fim de passar aquele último serão junto com a égua. Pinou deitou-se e Jette sentou-se junto a ela. Não evitou verter lágrimas, mal acreditando que a aventura estava quase a terminar.

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18 de Novembro de 2024, 72º dia de viagem: os últimos 20 km. Sol e 20ºC.

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Jette passou o dia cheia de sentimentos contraditórios, tanto chorava, como se alegrava.

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A chegada ao seu destino foi registada em vídeo pela dona da Pinou. Jette experimentou uma turbulência de emoções. Não aguentou. Levou a mão aos olhos, chorando mais uma vez. O vídeo pode ser visto no Instagram, não penso que exista alguma maneira de eu o trazer para aqui. Mas deixo um frame:

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A aventura durou quase dois meses e meio. Jette e Pinou percorreram sozinhas 1.595,49 km.

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Passado cinco dias, a moça foi apanhar o avião a Lisboa, de regresso à Alemanha.

 

Todas as fotografias e informações aqui divulgadas foram retiradas do diário de viagem de Jette:

https://www.instagram.com/jette.horse.journey/

@jette.horse.journey

 

Nota: três semanas depois da sua chegada à Alemanha, Jette teve a calma e a distância suficientes para fazer um balanço da viagem, concluindo, dessa forma, o seu diário. Penso que ela foca alguns pontos e momentos interessantes. Por isso, na próxima sexta-feira, vou postar algumas dessas impressões.