Em todos os momentos da História, seja na Antiguidade, na Idade Média, ou no nosso tempo, são as mesmas paixões e os mesmos desígnios que inspiram os humanos. Entender a História é entender melhor a natureza humana.

20 de junho de 2025

Um ano com D. Dinis (36)

DOENÇA DE D. DINIS

 

DinisCoimbra.jpgPormenor da estátua de Dom Dinis, em Coimbra

A 20 de junho de 1322, dois anos e meio antes da sua morte, D. Dinis foi acometido de doença grave. «Um ligeiro ataque vascular-cerebral ou um pequeno ataque cardíaco?», pergunta-se José Augusto Pizarro, autor da biografia de D. Dinis (Temas e Debates, 2008).

O rei Lavrador tinha, nesta altura, sessenta e um anos e não se lhe conheciam doenças. Encontrava-se, porém, numa fase muito desgastante da sua vida: a guerra civil contra o seu próprio filho e herdeiro. Esta doença verificou-se depois do cerco a Coimbra, que implicou duros combates. Através da mediação da rainha D. Isabel e do conde de Barcelos Pedro Afonso (filho ilegítimo de D. Dinis), o rei assinou as pazes com o infante, mas, no seu regresso a Lisboa, sentiu-se mal.

O estado de D. Dinis melhorou no início do ano seguinte, mas as pazes com o filho foram de pouca dura. O acordo seria quebrado em Outubro de 1323, depois das Cortes de Lisboa. A guerra entraria na sua última fase, com a Batalha de Alvalade, mas dedicar-me-ei ao assunto na altura própria. Para já, um excerto do meu romance, quando já não havia entendimento possível entre pai e filho:

De nada adiantava mandar emissários, depois da humilhação nas Cortes de Lisboa, Afonso tudo faria para se apossar do trono. A batalha era inevitável.

Dinis sabia ter ido longe demais. Mas que força o impedia de se entender com o seu próprio herdeiro? Teria inconscientemente guiado os acontecimentos de maneira a que Afonso Sanches lhe pudesse suceder? Na verdade, via-se incapaz de responder a esta pergunta. 

Naquela noite, véspera da batalha, Dinis mortificava-se. Estava a ir contra a vontade de Deus, chefiando um combate contra o seu único filho legítimo? O rei não conseguia adormecer, novamente atacado por tonturas, dores de cabeça e suores. Tornaria a adoecer? Finar-se-ia ainda antes de se dar o combate?

Nada mais lhe restava senão confiar na força divina. Desejou um milagre. Sabia que Isabel rezava, recolhida no seu paço, depois de semanas de penitências rigorosas. Conseguiria ela provocar um milagre?


19 de junho de 2025

Um ano com D. Dinis (35)

LEVANTAMENTO DO INTERDITO

 

A 19 de junho de 1263, o papa Urbano IV, atendendo às solicitações do clero português, levantou o interdito que imperava sobre o nosso reino desde 1255 e legitimou o consórcio de D. Afonso III.

À data do seu casamento com Beatriz de Castela, o pai de D. Dinis era ainda casado com Matilde de Boulogne. Foi acusado de bigamia pelo papa Alexandre IV, que, dois anos mais tarde, lançaria o interdito sobre Portugal. Um reino sob interdito estava proibido de celebrar missas e sacramentos (incluindo casamentos e batizados).

A complicada situação resolveu-se com a morte inesperada de Matilde.

Apenas quatro anos mais tarde, porém, devido aos conflitos entre o mesmo D. Afonso III e o clero, o papa lançaria novo interdito sobre Portugal (assunto a tratar numa outra ocasião). 

Nota: ler aqui sobre os casamentos de D. Afonso III.

 

3 de junho de 2025

Um ano com D. Dinis (34)

A INVESTIDURA DE D. DINIS 

Terá sido no mês de junho de 1278 que D. Afonso III armou cavaleiro o infante D. Dinis, seu filho e herdeiro, de dezasseis anos. De seguida, atribuiu-lhe "casa autónoma". D. Afonso III estava já bastante doente e não viveu muito mais tempo.

Dom Afonso III tratara da entrega do testemunho durante todo aquele ano de 1278. Dinis fazia parte de uma comissão que regia o reino e onde figuravam o mordomo-mor João Peres de Aboim e o chanceler Estêvão Anes, sob a supervisão da rainha Dona Beatriz. O velho rei armara o filho cavaleiro, oferecendo-lhe uma belíssima espada, enfeitada no punho com duas esmeraldas e dois cristais e contendo na bainha dezasseis rubis e catorze safiras. Atribuíra-lhe igualmente casa autónoma, ou seja, cavaleiros vassalos próprios, assim como vários escudeiros, copeiro-mor, escanção-mor e reposteiro-mor, este último, responsável pelo património do príncipe.

(…)

Dinis recebeu ainda joias, pedras preciosas, tecidos finos e objetos de prata, como escudelas, trinchantes, pichéis, vasos e copos.

Do meu romance Dom Dinis, a quem chamaram O Lavrador

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2 de junho de 2025

Encontro com a História

Nos meus primeiros tempos na Alemanha, tive receio de "desaprender" o meu inglês e passei a ler quase só livros nessa língua. Um dia, o meu marido chegou a casa com um romance histórico de Sharon Penman. Nenhum de nós conhecia a autora, mas ele tinha deparado com o livro em promoção e resolveu oferecer-mo.

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Posso dizer que este livro mudou a minha vida. Apaixonei-me logo pela escrita desta autora. E, até hoje, ainda não encontrei melhor, em matéria de romances históricos. Além disso, foi ela que me levou a igualmente escrever este tipo de ficção.

Sharon (Kay) Penman não se limita a narrar os acontecimentos, ela puxa-nos para o meio da ação. É facílimo identificarmo-nos com as suas personagens. Não há vilões, nem santos, nos seus livros. Há pessoas, com todos os seus lados, bons e maus. Sharon Penman revela uma lucidez invrível sobre a natureza humana.

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Depois de ler seis livros dela (alguns, duas vezes) estive cerca de vinte anos afastada das suas obras. Em fins do ano passado, descobri, na minha estante, um romance ainda por ler: Time and Chance, o segundo volume de uma saga de cinco, sobre a família de Henrique II de Inglaterra e Leonor da Aquitânia. Peguei nele. E "a febre" voltou. Soube que Sharon Penman tinha entretanto falecido, mas não descansei enquanto não arranjei os três volumes que me faltavam. A sua aquisição provocou-me um entusiasmo raramente sentido, em matéria de livros.

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Leonor da Aquitânia e Henrique II provocaram alterações profundas, na Europa medieval. Naquela altura, o rei de Inglaterra era igualmente duque da Normandia. Henrique II, o primeiro rei Plantageneta, herdou ainda de seu pai os condados de Anjou e da Bretanha e, por casamento com Leonor, tornou-se conde de Poitou e duque da Aquitânia. Era, porém, vassalo do rei de França, por esses territórios, criando uma situação bizarra. Por um lado, muita da França atual pertencia-lhe, possuía mais terras do que o próprio monarca francês. Por outro, custava-lhe, como rei de Inglaterra, ser vassalo do de França. Para complicar mais ainda, Luís VII tinha sido o primeiro marido de Leonor da Aquitânia. O casal conseguiu o divórcio e Leonor foi, até hoje, a única mulher a ser rainha de França e de Inglaterra. Mas a rivalidade entre os dois "maridos" foi uma constante, enquanto viveram.

Leonor e Henrique fundaram uma das dinastias europeias mais poderosas: os Plantagenetas, que regeram sobre a Inglaterra durante cerca de 300 anos. Além disso, foram pais de dois dos mais famosos monarcas europeus: Ricardo Coração de Leão e João Sem-Terra.

Conhecemos estas personagens, sobretudo, através dos filmes e séries sobre Robin dos Bosques. Essas narrativas nada têm a ver com a verdade histórica. Não há a mínima referência a essa figura, nas vidas de Ricardo e João. Aliás, Robin dos Bosques é uma personagem mítica, nem se sabe se existiu. E, no caso de ter existido, quando viveu.

Henrique e Leonor tiveram oito filhos. Três eram raparigas, uma delas casou com Afonso VIII de Castela. Dos cinco rapazes, um morreu em criança, mais dois ainda jovens. Por isso, à altura da morte do pai, apenas Ricardo e João eram vivos. Dez anos os separavam. 

Admira-me que a saga desta família ainda não tenha sido filmada. Nada ficaria a dever à Guerra dos Tronos, com as suas intrigas, rivalidades e guerras constantes. Depois de cerca de quinze anos de casamento, a forte paixão entre Henrique e Leonor foi-se transformando em ódio. Os dois guerrearam-se e instigaram os filhos a tomarem posição, ou contra o pai, ou contra a mãe, conforme os casos. Ricardo era o preferido de Leonor e lutou sempre contra o pai. A situação chegou a tal ponto, que Leonor esteve presa durante dezasseis anos, por ordem do marido. Mas sobreviveu-lhe, apesar de ser dez anos mais velha. Leonor viveu mais de oitenta anos. Assim que o marido morreu, Ricardo Coração de Leão, feito rei, ordenou a libertação da mãe.

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Túmulos de Henrique II e Leonor da Aquitânia, na Abadia de Fontevraud*

Ricardo e João odiavam-se, apesar de o mais novo ter ficado a tomar conta do trono inglês, quando o Coração de Leão partiu para as cruzadas (este é o fundo verdadeiro das histórias de Robin dos Bosques). João cobiçava a coroa. E esta acabou mesmo por lhe cair no regaço! Ricardo morreu, com cerca de quarenta anos, atingido por uma flecha. O grande guerreiro, que regressara das cruzadas com uma fama inigualável, acabou por perecer numa luta "menor", uma escaramuça contra um seu vassalo francês.

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Túmulo de Ricardo Coração de Leão, na Abadia de Fontevraud*

João nem acreditava na sua sorte. Ricardo não deixou descendentes, apesar de ter sido casado. Terá tido um filho ilegítimo, mas ainda não esclareci esse aspeto, pois ainda não li a saga toda. Aliás, a sua vida sexual é objeto de especulações. Diz-se que se interessava mais por guerra do que por mulheres e, claro, põe-se a hipótese de ter sido homossexual.

João Sem-Terra (assim apelidado por ter sido o mais novo de todos os irmãos, com poucas hipóteses de conseguir herança) ficou conhecido por ter assinado a Magna Charta, considerado assim o "pai" da representação parlamentar. De resto, perdeu todos os territórios franceses pertencentes ao progenitor e quase lhe escapava igualmente a coroa inglesa. Mas foi ele quem deu seguimento à dinastia Plantageneta.

Viajo regularmente de carro entre a Alemanha e Portugal. Na zona de Tours, vejo a placa mencionando a Abadia de Fontevraud e, muitas vezes, penso ser uma pena passar ali tão perto e não a ir visitar. Lá se encontram os túmulos de Leonor da Aquitânia, Henrique II, Ricardo Coração de Leão e Isabel de Angoulême, que foi rainha de Inglaterra, por ter sido casada com João Sem-Terra.

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Perante o túmulo de Ricardo Coração de Leão*

Agora, que ando a ler esta incrível saga, não pude deixar de ir. E senti a emoção de finalmente conhecer pessoas que admirava há muito tempo. Foi uma experiência única.

 

Uma palavra para a ironia de Ricardo e Isabel de Angoulême jazerem lado a lado. Depois de enviuvar do rei João, Isabel já tinha cinco filhos, mas apenas cerca de trinta anos de idade. Regressou à sua terra-natal e casou com o conde de Lusignan, de quem teve mais oito filhos. E acabou por ficar sepultada em Fontevraud, na altura, um dos maiores centros religiosos franceses.

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Túmulos de Isabel de Angoulême e Ricardo Coração de Leão, na Abadia de Fontevraud*

O rei que não deixou descendência ficou, para a eternidade, ao lado da cunhada, a esposa do irmão que odiava. O certo é que Isabel de Angoulême foi mãe, avó, bisavó, trisavó, etc. dos reis que regeram sobre a Inglaterra, por mais de dois séculos.

João Sem-Terra está sepultado na catedral inglesa de Worcester, que visitei em 2003.

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Túmulo de João Sem-Terra (John Lackland) na Catedral de Worcester*

 

Nota: há apenas um livro de Sharon Kay Penman traduzido em português: Quando Cristo e os Seus Santos Adormeceram, o primeiro volume desta saga, sobre a guerra civil inglesa, travada entre a mãe de Henrique II, a imperatriz Maude, e o seu primo, o rei Estêvão (Stephen).


 

 

*Fotografias de autoria de Horst Neumann.

1 de junho de 2025

Um ano com D. Dinis (33)

FUNDAÇÃO DE SALVATERRA DE MAGOS

 

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Verifica-se hoje o 730º aniversário da fundação de Salvaterra de Magos.

A 1 de Junho de 1295, D. Dinis fundou e concedeu foral a Salvaterra de Magos, em terras do concelho de Santarém que lhe haviam sido doadas.

28 de maio de 2025

Um ano com D. Dinis (32)

FLORES DO VERDE PINO

Não se verificando hoje nenhuma efeméride especial relacionada com o reinado de D. Dinis, aproveito para relembrar a sua Cantiga de Amigo mais conhecida. Ignoro porque se terá destacado tanto, talvez devido ao ritmo. Estes poemas eram escritos para serem musicados e cantados, o próprio D. Dinis compunha melodias. Infelizmente, quase nada chegou aos nossos dias.

Tendo isto em conta, criei, no meu romance, a seguinte cena (fictícia) à volta destes versos:

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Num serão de Março, os cálices de vinho esvaziavam-se facilmente e o rei encarregou os trovadores João Anes Redondo e Pêro Anes Coelho de entoarem a sua nova cantiga. Começava com um lamento dirigido à natureza, uma donzela pedia às flores notícias do amigo que tardava em aparecer, receando que ele lhe houvesse mentido. O refrão consistia precisamente na pergunta: "Ai Deus, e onde está?"

 

                        Ai flores, ai flores do verde pino

                        se sabedes novas do meu amigo!

                        Ai Deus, e u é?

 

                        Ai flores, ai flores do verde ramo,

                        se sabedes novas do meu amado!

                        Ai Deus, e u é?

 

                        Se sabedes novas do meu amigo,

                        aquel que mentiu do que pôs comigo?

                        Ai Deus, e u é?

 

                        Se sabedes novas do meu amado,

                        aquel que mentiu do que m’ há jurado,

                        Ai Deus, e u é?

 

A natureza interpelada punha fim à angústia da donzela, dizendo-lhe que o amigo estava vivo e sano e viria ter com ela dentro do prazo prometido. A simplicidade e o ritmo harmónico da cantiga pôs os convivas a cantar o refrão «Ai Deus, e u é?» em coro.

 

                        Vós me perguntades polo voss’ amigo?

                        e eu bem vos digo que é san’ e vivo.

                        Ai Deus, e u é?

 

                        Vós me perguntades polo voss’ amado?

                        e eu bem vos digo que é viv’ e sano.

                        Ai Deus, e u é?

 

                       E eu bem vos digo que é san’ e vivo,

                        e será vosc’ ant’ o prazo saído.

                        Ai Deus e u é?

 

                        E eu bem vos digo que é viv’ e sano,

                        e será vosc’ ant’ o prazo passado.

                        Ai Deus, e u é?

 

Se o fervor dos aplausos surpreendeu Dinis, maior foi o seu espanto, quando se exigiu a repetição da cantiga. Os versos não custavam a fixar, todos faziam coro com os trovadores, erguendo os seus cálices na altura do refrão:

 

                        Ai Deus, e u é?

 

Gerara-se uma rara descontração e, assim que a cantiga chegou ao fim, foi exigida uma terceira vez! Aquela noite parecia diferente das outras, havia algo de especial no ar morno, convidativo ao deleite.

 

Notação Musical.jpgNotação musical original de D. Dinis ©Arquivo Nacional Torre do Tombo

 

24 de maio de 2025

Um ano com D. Dinis (31)

FORAL DE VILA FLOR

Vila Flor Brasão.png

 

Verifica-se hoje o 739º aniversário do foral de Vila Flor (distrito de Bragança), outorgado por D. Dinis (24 de maio de 1286).

 

Arco do Castelo de Vila Flor.JPG

Arco do Castelo de Vila Flor

Imagens Wikipedia

20 de maio de 2025

Um ano com D. Dinis (30)

MORTE DE JOÃO XXI

João XXI.jpg

Imagem Wikipedia

 

A 20 de maio de 1277, morreu o único papa português, João XXI, de acidente, em Viterbo.

D. Dinis tinha dezasseis anos e ainda não era rei. Mas conhecia com certeza João XXI, antigo deão da Sé de Lisboa.

Transcrevo uma pequena cena do meu romance, relativa à morte do papa português:

- Mestre Pedro Julião finou-se? - surpreendeu-se Dinis.

O antigo deão da Sé de Lisboa, conhecido no estrangeiro como Pedro Hispano, estudara Artes em Paris e Medicina em Montpellier. Escrevera várias obras sobre Teologia e outros campos do saber e passara temporadas na cúria papal, tornando-se físico do papa Gregório X, a quem sucedera. Ainda não era velho, nem se lhe conhecia enfermidade:

- Mas como pode tal haver sucedido?

- Foi um acidente, em Viterbo - respondeu o mensageiro. - O Santo Padre inspeccionava as obras de uma nova ala que mandara edificar no palácio dos papas, quando uma parte do edifício desabou.


16 de maio de 2025

Um ano com D. Dinis (29)

FORAL DE VILA NOVA DE FOZ CÔA

 


A 16 de Maio de 1299, D. Dinis concedeu foral a Vila Nova de Foz Côa e ordenou o seu povoamento.

12 de maio de 2025

Um ano com D. Dinis (28)

CANTIGA DE ESCÁRNIO

D. Dinis é sobretudo conhecido pelas suas Cantigas de Amor e de Amigo. Mas ele compôs também algumas Cantigas de Escárnio. Aproveito para lembrar uma passagem do meu romance, onde enquadrei um desses poemas:

Serão na Corte 2.jpg

Serão na corte, por H. Vanez

 

Assim se viu Dinis rodeado de fidalgos pomposos a disputar-lhe a atenção, tentando impressioná-lo com as suas proezas, sem sequer haver uma sessão musical para o distrair. O Paço episcopal não era o local indicado para fazer a corte às senhoras com cantigas trovadorescas, para já não falar de uma ou outra dança. 

Dinis recordou uma sua Cantiga de Escárnio sobre um fidalgo de província, por ele apelidado de Dom Foam, que falava intermitentemente, sem se aperceber do cansaço e do tédio que causava ao seu soberano.

U noutro dia seve Dom Foam,
a mi começou gram noj’ a crecer
de muitas cousas que lh’ oí dizer.
Diss’ el: - «Ir-m’ ei ca já se deitaram»;
e dix’ eu: - «Boa ventura hajades
porque vos ides e me leixades».

E muit’ enfadado do seu parlar
sevi gram peça, se mi valha Deus,
e tosquiava estes olhos meus.
E quand’ el disse: - «Ir-me quer’ eu deitar»
e dix’ eu: - «Bõa ventura hajades
porque vos ides e me leixades».

El seve muit’ e diss’ e porfiou,
e a mim creceu gram nojo por em,
e nom soub’ el se x’ era mal se bem.
E quand’ el disse: - «Já m’ eu deitar vou»
e dix’ eu: - «Bõa ventura hajades
porque vos ides e me leixades».

 

Nota: apesar de Dom Foam continuadas vezes alegar ir deitar-se, não pára de conversar, indiferente ao alívio, expresso pelo soberano, que a sua partida proporcionaria.

 

8 de maio de 2025

Um ano com D. Dinis (27)

O 1º CONDE DE BARCELOS

Faz hoje 727 anos que D. Dinis tomou uma medida inédita, em Portugal.

D. Dinis majestoso Nuno Luís FB.jpg

Imagem daqui

 

O Rei Lavrador outorgou um título simbólico a um fidalgo, o título de conde, sem estar ligado à sua função original: a de ser governante de um condado. Tratava-se apenas de um título de prestígio.

A 8 de maio de 1298, D. Dinis outorgou a carta de doação da vila de Barcelos «por serviço que me fez dom João Afonso [Telo] e porque o fiz conde».

D. João Afonso Telo era um nobre leonês, senhor do castelo de Albuquerque, mas com ligações familiares a Portugal. Tornou-se grande amigo de D. Dinis, exercendo atividades diplomáticas em nome da Coroa portuguesa. O Rei Lavrador decidiu recompensá-lo, dando-lhe o título de conde de Barcelos, mas de poder muito limitado, já que se confinava à vila de Barcelos. Este modo de proceder estava de acordo com a política de D. Dinis de restringir o poder da nobreza, concentrando-o na Coroa.

 

4 de maio de 2025

Um ano com D. Dinis (26)

 CASAMENTO DE D. AFONSO III

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Representação de D. Afonso III na Viagem Medieval de Santa Maria da Feira 2015

 

Há três dias, mencionei aqui o casamento de D. Afonso IV. Hoje, é a vez do avô, D. Afonso III, cujo segundo consórcio se realizou em 1253, cinquenta e seis anos antes do do neto, que aliás nunca conheceu. É curioso verificar haver três pontos em comum entre os dois enlaces. Também o pai de D. Dinis casou no mês de maio, também no caso dele não se sabe o dia e a sua noiva ostentava os mesmos nome e estatuto: infanta D. Beatriz de Castela. A diferença de idades entre os nubentes era, porém, muito maior, neste caso: a noiva teria apenas onze anos, o noivo ia pelos quarenta.

Este casamento surgiu na sequência de um Tratado de Paz entre Portugal e Castela por causa da questão do Algarve. Mas D. Afonso III foi acusado de bigamia pelo papa Alexandre IV, que, dois anos mais tarde, lançaria o interdito sobre Portugal. Um reino sob interdito estava proibido de celebrar missas e sacramentos (incluindo casamentos e batizados), situação que durou quase dez anos.

A razão para medida tão severa: à altura do seu casamento com D. Beatriz, D. Afonso III era ainda casado com Matilde de Boulogne. O pai de D. Dinis passou a sua juventude na corte francesa, durante a regência de sua tia Branca, antiga infanta de Castela. Em 1239, a tia arranjou-lhe casamento com a viúva Matilde de Boulogne, bastante mais velha do que ele, mas filha única da condessa Ida e herdeira daquele condado.

Passados seis anos, porém, D. Afonso regressou sozinho a Portugal, a fim de tomar conta do reino mal governado por seu irmão D. Sancho II. Oito anos mais tarde, já coroado rei, e no intuito de pôr fim ao conflito com o monarca castelhano por causa do Algarve, casou com Beatriz, ignorando Matilde por completo, de quem aliás vivera separado todo este tempo.

D. Afonso III chegou ao ponto de ignorar uma ordenação papal para se apresentar em Roma, a fim de ser julgado por bigamia. O problema resolveu-se, contudo, por si, pois Matilde morreria inesperadamente. Mas só em junho de 1263, passados cinco anos sobre a morte da malograda condessa,  um novo papa, Urbano IV, legitimou o segundo consórcio do monarca, levantando o interdito sobre o reino.

À altura do seu nascimento, a 9 de outubro de 1261, D. Dinis era, no fundo, ilegítimo e este argumento foi usado por seu irmão Afonso, quando, pela terceira vez, se revoltou contra o rei, em 1299, obrigando D. Dinis a montar cerco a Portalegre. D. Afonso alegava ter mais direito ao trono por ter nascido numa data mais próxima da legalização do casamento dos pais (6 de fevereiro de 1263).

D. Afonso III e D. Beatriz tiveram sete filhos:

Infanta D. Branca, nascida em fevereiro de 1259

D. Dinis, nascido a 9 de outubro de 1261

Infante D. Afonso, nascido a 6 de fevereiro de 1263

Infanta D. Sancha, nascida a 2 de fevereiro de 1264 (faleceu com cerca de vinte anos)

Infanta D. Maria, nascida em fevereiro ou março de 1265 (faleceu com pouco mais de um ano)

Infante D. Vicente, nascido a 22 de janeiro de 1268 (falecido ainda criança)

Infante D. Fernando, nascido em 1269, falecendo pouco tempo depois.

1 de maio de 2025

Um ano com D. Dinis (25)

CASAMENTO DE D. AFONSO IV

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Em maio de 1309 (não se sabe o dia), o futuro rei D. Afonso IV, filho de D. Dinis, casou com a infanta D. Beatriz de Castela. Viriam a ser os pais de D. Pedro I, conhecido pelo seu amor trágico por Inês de Castro (tendo ficado seu pai com a “fama” de a haver mandado assassinar, embora não exista certeza histórica).

À altura do casamento, D. Afonso tinha dezoito anos e a sua noiva dezasseis ou dezassete. Os dois conheciam-se desde a infância. D. Beatriz foi criada pelos sogros, vindo para a corte portuguesa na sequência do Tratado de Alcanices, celebrado a 12 de Setembro de 1297, no qual se definiram definitivamente as fronteiras entre Portugal e Castela e se estabeleceu um duplo consórcio. Ficou igualmente estipulado que D. Fernando IV de Castela, à altura com onze ou doze anos, casaria com a infanta D. Constança de Portugal.

Era costume as noivas-crianças serem criadas pelos sogros. O par real português e a rainha viúva castelhana, D. Maria de Molina, trocaram de filhas. D. Beatriz, de cinco anos, veio para Portugal, enquanto D. Constança, de sete, foi viver para a corte castelhana.

Para a concretização deste duplo consórcio, foi necessário solicitar dispendiosas bulas de dispensa de parentesco ao papa, pois os nubentes eram parentes próximos. Os infantes castelhanos eram filhos do falecido D. Sancho IV, tio de D. Dinis.

No caso de D. Afonso IV e de D. Beatriz, parece ter sido vantajoso terem crescido juntos. Não obstante a tradição  ter conferido um temperamento irascível a este monarca português, ele parece ter-se inteiramente dedicado à família, pois não se lhe conhecem barregãs, nem filhos ilegítimos. Trata-se de um caso raro na nossa historiografia.

O casal teve sete filhos, mas apenas três chegaram à idade adulta, porquanto a mais nova, Leonor, que casou com D. Pedro IV de Aragão, morreu com apenas vinte anos.

 

25 de abril de 2025

24 de abril de 2025

Um ano com D. Dinis (23)

COMPROMISSO DE CASAMENTO

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Estátuas de D. Dinis e D. Isabel, em Leiria

 

Faz hoje 744 anos que D. Dinis assinou o seu compromisso de casamento, em pleno cerco de Vide. O rei cercara o irmão Afonso por este ter decidido construir muralhas em torno da vila e aumentar uma torre, sem lhe pedir autorização.

Os agentes de D. Pedro III de Aragão, o pai da noiva, eram Conrado Lanceote e Bertrando de Vila Franca. O Rei Lavrador fez doação à noiva por núpcias das vilas de Óbidos, Abrantes e Porto de Mós, doação que ficava assegurada pelas arras dos castelos de Vila Viçosa, Monforte, Sintra, Ourém, Feira, Gaia, Lanhoso, Nóbrega, Santo Estêvão de Chaves, Monforte de Rio Livre, Portel e Montalegre e mais dez mil libras.

Na verdade, D. Dinis e D. Isabel, já estavam casados, nesta altura, embora ainda não se conhecessem. O casamento ocorreu por procuração, a 11 de fevereiro de 1281, no Paço Real de Barcelona. Os cavaleiros João Pires Velho e Vasco Pires e o clérigo D. João Martins de Soalhães, futuro bispo de Lisboa representaram o rei, por palavras de presente, na cerimónia de recebimento da noiva.

D. Isabel só deu entrada em Portugal cerca de ano e meio mais tarde, sendo as bodas do par real festejadas em Trancoso, a 26 de junho de 1282.

A tradição diz-nos que D. Dinis não apreciava os exageros caritativos da sua rainha. E que esta muito sofreu com os casos extra-conjugais do marido. A este propósito, transcrevo um pequeno excerto do meu romance:

 

Num serão abafado e quente de Junho, vieram dizer-lhe que a rainha não viria aos seus aposentos, como por ele solicitado, pois preparava-se para ir ao hospital de Santo Elói. Dinis dirigiu-se furioso ao Paço da sua consorte, apanhando-a já de saída, envolta pela cabeça numa capa escura muito simples, de camponesa.

- Proíbo-vos de deixar o Paço!

Ela limitou-se a replicar:

- Tenho os meus compromissos.

- Que adiareis, por uma vez. Hei mister de vos falar. Ou serão os vossos enfermos mais importantes do que el-rei?

- Não se trata de serem mais ou menos importantes. Trata-se de cuidar de quem necessita.

- Também eu hei mister de algo: de esclarecimentos. Dizei, que vos incomoda? Foi algo que disse ou… fiz?

Isabel fixou-o com os seus olhos perscrutadores. Dinis pensou ver naquele brilho uma certa acusação, algum ciúme, e convenceu-se de que ela realmente se vingava do sucedido em Coimbra. Em vez de se sentir culpado, porém, empertigou-se. Quiçá fosse aquele jeito dela de desprezar tudo o que fosse mácula humana. Mas não lhe competia, afinal, aceitar que ele tivesse as suas barregãs?

 

21 de abril de 2025

E porque a data se aproxima de novo...

 ... venho lembrar este meu livro:

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Algumas palavras da editora:

"Este talvez seja o único relato escrito sobre o que foi ser uma menina nos tempos da Revolução dos Cravos. Cristina Torrão, com sua prosa precisa e ágil, faz o leitor ver o que aconteceu quando a exploração, a desigualdade de género, a repressão sexual e a alienação cultural impostas pelo salazarismo estremeceram e desabaram sob o impacto libertador da Revolução dos Cravos".

 

O livro pode ser comprado aqui:

https://kotterpt.com/a-revolucao-da-veronica

19 de abril de 2025

Um ano com D. Dinis (22)

 MOSTEIRO DE SANTA CLARA DE COIMBRA

 

 

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Mosteiro de Santa Clara-a-Velha

 

A 19 de abril de 1314, D. Isabel obteve do papa Clemente V autorização para fundar o mosteiro de Santa Clara, em Coimbra. Neste mesmo dia, a rainha fez o seu primeiro testamento, onde expressou o desejo de ser enterrada em Alcobaça, desejo que viria a modificar num outro testamento, optando por Santa Clara. É curioso verificar ela não ter desejado ser sepultada junto de D. Dinis, no mosteiro de Odivelas. O rei morreu onze anos antes dela.

Clemente V foi o papa que extinguiu os Templários. A autorização para a fundação do mosteiro de Santa Clara foi das últimas, senão a última, por ele outorgada, pois morreu apenas um dia depois.

15 de abril de 2025

Um ano com D. Dinis (21)

D. DINIS E O BISPO DO PORTO

 

Devido à sua política de centralização de bens na Coroa, D. Dinis teve muitos problemas com a nobreza e o clero. Um prelado que exerceu forte oposição foi D. Vicente, bispo do Porto, por sinal, padrinho do Rei Trovador. Aqui, uma cena do meu romance:

 

Em finais de Junho, Dinis deslocou-se ao Porto, onde o bispo D. Vicente o recebeu no seu Paço, no ponto mais alto do burgo sobranceiro ao rio Douro. O rei tentava contemporizar, mas o velho bispo mostrava-se intransigente. O monarca comprometera-se a não levantar obstáculos aos eclesiásticos no que se referia a adquirirem bens de raiz e, entretanto, já havia promulgado duas leis de desamortização dos bens do clero. Era um escândalo, declarava D. Vicente furioso. E não estava sozinho. Junto com os bispos D. João Martins da Guarda , D. Egas de Viseu e D. João de Lamego preparava um libelo com mais acusações contra a Coroa, a fim de o enviar ao papa.

Dinis pretendia evitar tal procedimento a todo o custo:

- Estou certo de que conseguiremos resolver o assunto entre nós.

- Não vejo como, Alteza. Se, passados três anos sobre a Concordata, ainda nos encontramos neste ponto, dificilmente a situação se modificará.

O velho clérigo, ao abrigo da sua idade e da sua experiência, não se deixava intimidar. Fizera frente ao pai e nada o impedia de o fazer ao filho.

Dinis insistiu:

- Presumo que não estareis interessado num novo interdito, depois do trabalho que deu levantá-lo. Seria uma desgraça para o reino. Vós, como homem da Igreja, vedes certamente ainda mais desvantagens nisso do que eu…

- Como homem da Igreja, D. Dinis, estou preparado para aceitar qualquer castigo que o pontífice resolva impor. O reino sobreviveu a mais de vinte anos de interdito e não deixou de ser cristão. Se for essa a única maneira de acabar com as inquirições abusivas e as escandalosas leis de desamortização, que seja!

D. Vicente era um osso duro de roer. E Dinis estava cheio do Porto, nunca achara grande beleza no cinzentismo das construções de granito e do próprio Douro, entalado naquele desfiladeiro. E não se livrava da humidade peganhenta. Mesmo agora, no pino do Verão, chovia quase todos os dias.

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8 de abril de 2025

Um ano com D. Dinis (19)

 NASCIMENTO DE D. PEDRO I E CERCO A PORTALEGRE

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Representação do Rei Pedro I de Portugal na Sala dos Reis, Quinta da Regaleira, Sintra

https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=62092638

Faz hoje 705 anos que nasceu D. Pedro I. Como todos sabemos, este rei ficou sobretudo conhecido pelo seu trágico amor por Inês de Castro.

D. Pedro I era neto de D. Dinis e de D. Isabel, filho de D. Afonso IV. Nasceu numa época complicada, em plena guerra civil, que opunha o seu avô ao seu pai.

Inês de Castro viria a ser assassinada no Paço mandado construir pela rainha Santa Isabel, junto ao mosteiro de Santa Clara, em Coimbra.

 

Nota: Encontrei datas diferentes (18 e 19 de abril) para o nascimento de D. Pedro I, na internet. A data de 8 de abril de 1320 é, contudo, apontada pela Dra. Cristina Pimenta, autora da biografia de D. Pedro I (Temas e Debates 2007). Também o Professor Bernardo Vasconcelos e Sousa, autor da biografia de D. Afonso IV (pai de D. Pedro) e o Profesor Sotto Mayor Pizarro, autor da biografia de D. Dinis (avô de D. Pedro) apontam esta mesma data.

 

Também a 8 de abril, mas em 1299, D. Dinis fez o seu primeiro testamento, antes de partir para uma campanha contra o irmão (o rei contava trinta e sete anos). O infante D. Afonso revoltava-se pela terceira vez. D. Dinis montou cerco a Portalegre, a 27 de abril. O irmão resistiu mais tempo do que o esperado e o rei solicitou a intervenção da infanta D. Branca, a irmã de ambos.

Depois de a infanta ter conferenciado com o irmão mais novo, trouxe informações incomodativas.

- Afonso anda mui estranho - anunciou Branca a Dinis. - Acha-se com mais direito ao trono do que vós.

Com dificuldades em controlar a sua fúria, o rei remeteu-se ao silêncio. E foi Frei Vasco Fernandes quem inquiriu:

- Em que se baseia D. Afonso para afirmar tal?

Depois de uma hesitação, Branca acabou por responder:

- Baseia-se no facto de o matrimónio de meus pais só haver sido reconhecido pela Igreja em Junho de 1263.

Gerou-se um silêncio embaraçante, perante o abordar de um assunto julgado esquecido. À altura do seu matrimónio com D. Beatriz, Afonso III havia sido acusado de bigamia pelo papa Alexandre IV. O rei estava ainda casado com Matilde de Boulogne, apesar de o casal já viver separado há quase uma década.

Seguiram-se cinco anos de contendas graves com a cúria pontifícia. O problema acabou por se resolver com a morte inesperada de Matilde, mas só passada mais meia década, Urbano IV legitimara o segundo consórcio do monarca.

- Afonso nasceu em Fevereiro de 1263 - prosseguiu Branca, - escassos quatro meses antes de o papa passar a bula de legitimação. Essa é a razão por ele dada para se considerar, digamos, mais legítimo do que o irmão rei.

Dinis tinha ganas de ir arrancar o estouvado do irmão ao castelo de Portalegre, a fim de lhe dar uma valente sova.

O infante D. Afonso só se renderia em outubro, logo partindo para o reino de Múrcia, onde possuía senhorios, por parte da esposa.

 

Nota: Apesar de se tratar de um excerto do meu romance (obra de ficção), na sua biografia de D. Dinis, o Professor Sotto Mayor Pizarro refere o infante D. Afonso ter realmente usado este argumento para se considerar com mais direito ao trono do que o irmão mais velho.

 

6 de abril de 2025

Um ano com D. Dinis (18)

 CANTIGA DE AMOR DE D. DINIS

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A imagem mostra uma anotação musical original de D. Dinis (encontra-se no Arquivo Nacional da Torre do Tombo). O rei poeta não só escrevia os versos, como compunha a música das suas cantigas. Pelo menos, em alguns casos. Não é claro quantas músicas compôs.

Segue-se uma Cantiga de Amor de D. Dinis (com tradução em português actual):

«O meu grande mal foi pousar os olhos na “mia senhor”, pelo que muitas vezes me amaldiçoei, e ao mundo e a Deus. Desde que a vi, nunca mais recordei outra coisa, se não ela; nunca mais sofri por outra coisa, senão por ela. Faz-me querer mal a mim mesmo e desesperar de Deus. Por ela, quer este meu coração sair do seu lugar e eu morro, já depois de ter perdido o juízo e a razão. Todo este mal ela me fez e mais fará».

A mia senhor que eu por mal de mi
vi, e por mal daquestes olhos meus
e por que muitas vezes maldezi
mi e o mund’e muitas vezes Deus,
des que a nom vi nom er vi pesar
d’ al, ca nunca me d’ al pudi nembrar.

A que mi faz querer mal mi medês
e quantos amigos soía haver,
e desasperar de Deus, que mi pês,
pero mi tod’ este mal faz sofrer,
des que a nom vi nom er vi pesar
d’ al, ca nunca me d’ al pudi nembrar.

A por que mi quer este coraçom
sair de seu lugar, e por que já
moir’ e perdi o sem e a razom,
pero m’ este mal fez e mais fará,
des que a nom vi nom er vi pesar
d’ al, ca nunca me d’ al pudi nembrar.

 

In "Cancioneiro de D. Dinis", Nuno Júdice (Editorial Teorema, 1997)

 

4 de abril de 2025

Um ano com D. Dinis (17)

 D. AFONSO X DE LEÃO E CASTELA

Verifica-se hoje o 741º aniversário da morte de D. Afonso X de Leão de Castela, o Sábio. Afonso X era o avô materno de D. Dinis e igualmente poeta. Deixou as Cantigas de Santa Maria para a posteridade, um conjunto de quatrocentas e vinte e sete composições em galaico-português, à época, a língua fundamental da lírica culta em Castela.

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Imagem daqui

Como se vê, D. Dinis tinha a quem sair, não só no que diz respeito à poesia, como a outras medidas régias. Também o avô foi um grande legislador, autor do Fuero Real de Castilla, um conjunto de leis adaptadas às diversas regiões dos seus reinos, e das Siete Partidas, leis baseadas no direito romano. D. Afonso X determinou que os documentos régios fossem redigidos em castelhano, substituindo o latim, e assim o neto Dinis viria a fazer com o português. Fundou igualmente a Escola de Tradutores de Toledo, onde se traduziam documentos do árabe, do grego e do latim para o castelhano. Inúmeros estudiosos de várias nacionalidades se reuniram nessa Escola, pelo que o reinado de D. Afonso X ficou conhecido por as três religiões - cristã, judaica e muçulmana - terem convivido pacificamente em Toledo.

2011-06-08 Toledo 159.JPGCatedral de Toledo Foto © Horst Neumann

Este rei poderoso e culto teve um fim amargo. Descontentes com a sua política de centralização de bens na Coroa, os nobres revoltados conseguiram depô-lo, substituindo-o por seu filho Sancho IV.

D. Afonso X viveu os seus últimos anos em exílio, na cidade de Sevilha. Sua filha D. Beatriz, mãe de D. Dinis, acompanhou-o nessa fase difícil, pelo que o pai lhe deixou, em herança, as vilas de Moura, Serpa, Noudar e Mourão. Esta herança permitiu a D. Dinis alargar a fronteira portuguesa para leste do Guadiana.

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D. Afonso X o Sábio, retratado no Libro de los Juegos, ou Libro de acedrex, dados e tablas.

A obra foi encomendada pelo próprio monarca e data de 1283.

 

30 de março de 2025

Rapidinhas de História #24

A MUI COBIÇADA GALIZA (4)


 

Nota: as Rapidinhas de História vão fazer uma pausa. Regressam daqui a algumas semanas, com mais informações históricas sobre o período da formação de Portugal, informações recolhidas em estudos e teses que me foram postos recentemente à disposição.

24 de março de 2025

Um ano com D. Dinis (16)

 FORAIS DE MIRANDELA E DE BEJA

 

2015-01-05 Mirandela 081.JPGMirandela - Câmara Municipal © Horst Neumann

Verifica-se, durante o mês de março (não se sabe o dia), o 734º aniversário do foral de Mirandela e da confirmação do foral de Beja.

Acabara de nascer o futuro D. Afonso IV, herdeiro de D. Dinis, e no foral de Mirandela, o rei referiu, com orgulho, o mesmo ser concedido juntamente com a rainha «e com os meus filhos Infantes Dom Afonso e Dona Constança». A filha tinha pouco mais de um ano.

 

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Castelo de Beja © Horst Neumann

 

20 de março de 2025

Um ano com D. Dinis (15)

CANTIGA DE AMOR DE D. DINIS

 

Ao som dos alaúdes, Pêro Anes Coelho entoou os primeiros versos da cantiga de autoria de Dinis. A amada era informada de que seu amigo andava tão triste, que já quase não podia falar:
        
    O voss’ amig’, amiga, vi andar
    tam coitado que nunca lhi vi par,
    que adur mi podia já falar,

Os outros dois trovadores juntaram-se-lhe no refrão. O apaixonado suplicava que fossem rogar à amada que tivesse mercê dele:

    pero quando me viu disse-m’ assi:
    «Ai, senhor, id’ a mia senhor rogar
    por Deus que haja mercee de mi.»

Era um poema em jeito de recado. A corte e os convidados seguiam encantados como Pêro Anes Coelho anunciava o coitado haver perdido o juízo e o ânimo:

    El andava trist’ e mui sem sabor,
    como quem é tam coitado d’ amor
    e perdudo o sem e a color,

E, de novo, se lhe juntaram os outros no refrão:

    pero quando me viu disse-m’ assi:
    «Ai, senhor, id’ a mia senhor rogar
    por Deus que haja mercee de mi.»

Embora descrevesse um sofrimento, a cantiga possuía uma melodia leve e muito ritmo, na mudança entre o solista e o refrão.

    El, amiga, achei eu andar tal
    como morto, ca é descomunal
    o mal que sofr’ e a coita mortal,
    pero quando me viu disse-m’ assi:
    «Ai, senhor, id’ a mia senhor rogar
    por Deus que haja mercee de mi.»

 (Excerto do meu romance "Dom Dinis . a quem chamaram O Lavrador")

Nota: Todas as Cantigas de Amigo transcritas no meu romance são originais de D. Dinis, embora seja fictício o contexto em que são inseridas.

18 de março de 2025

Um ano com D. Dinis (14)

O FIM DOS TEMPLÁRIOS

 

Jacques de Molay.jpg

A 18 de março de 1314, Jacques de Molay, Mestre dos Templários franceses, assim como outros grandes dignitários da Ordem, foram queimados em Paris, por ordem de Filipe IV. Foi o culminar da grande campanha de difamação, levada a cabo pelo monarca francês.

Ao ser queimado, Jacques de Molay fez uma profecia: ainda antes do fim desse ano de 1314, os dois maiores responsáveis pela destruição dos Templários morreriam.

A profecia cumpriu-se. O papa Clemente V morreu passado cerca de um mês, a 20 de abril, com cinquenta anos. E o rei francês Filipe IV acabaria por sucumbir a um acidente de caça, a 29 de novembro, com apenas quarenta e seis.

 

Clemente e Filipe.jpg

 

Nota: os links das imagens, que copiei nove anos atrás, deixaram de funcionar. Fiquei assim sem referência, pelo que peço compreensão aos visados.

 

14 de março de 2025

Um ano com D. Dinis (13)

ORDEM DE CRISTO

Ordem de Cristo.jpg

Faz hoje 706 anos que foi instituída, no reino de Portugal, a Ordem de Cavalaria de Nosso Senhor Jesus Cristo, através da bula Ad ea ex quibus de João XXII. O papa determinava que a nova Ordem se destinava a manter a cruzada religiosa contra os sarracenos. Atribuiu-lhe a regra de Calatrava, sujeitou-a à jurisdição do abade de Alcobaça e colocou a sua sede em Castro Marim.

A Ordem de Cristo veio substituir a dos Templários, suprimida pelo papa Clemente V, influenciado pelo rei francês, Filipe IV, que tudo fez para difamar os cavaleiros do Templo.

Na Península Ibérica, porém, a campanha de difamação não encontrou grande eco, devido à fama dos Templários, criada nas lutas da Reconquista. À semelhança dos outros reis hispânicos, D. Dinis protegeu a Ordem e promoveu diligências para que uma outra fosse criada, entregando à Ordem de Cristo todos os bens que tinham pertencido aos Templários. Teve, no entanto, de enfrentar alguma oposição interna:

Em Março, quando se deu início à construção de um claustro no mosteiro de Alcobaça, Dinis recebeu notícias da Santa Sé confirmando os receios do Mestre. Numa bula de 22 de Novembro, intitulada Pastoralis praeeminentiae, Clemente V recomendava a todos os príncipes da Cristandade a prisão dos Templários e a confiscação dos seus bens. Dinis entrou em contacto com o genro Fernando IV e o cunhado Jaime II e resolveu-se não se tomarem medidas, enquanto se aguardava pelo resultado do inquérito do clero hispânico.

Em Abril, quando Dinis chegou à Beira, constatou tal resolução estar longe de agradar a toda a gente. O bispo da Guarda D. Vasco Martins de Alvelos advogava o cumprimento das recomendações do pontífice:

- Ignorais uma bula papal? E olvidais que Jacques de Molay confessou os pecados mais terríveis? Heresia, usura, sodomia! Se os franceses se davam a essas práticas repugnantes, os hispânicos não serão mui diferentes…

- Credes realmente que os freires do Templo fomentavam tais costumes? - contrapôs Dinis. - Sob tortura, qualquer um é levado a confessar, principalmente, o que não fez. Além disso, o Mestre francês desmentiu a sua confissão dois meses mais tarde.

- O que prova a sua falta de carácter.

- Ou constatar o não cumprimento de certas promessas?

O bispo olhou o seu monarca desconfiado:

- Que quereis dizer?

- Frei Vasco Fernandes é de opinião que Jacques de Molay terá confessado os crimes, acima de tudo, perante a promessa de que, se o fizesse, os restantes irmãos seriam poupados aos suplícios por ele próprio já experimentados. Mais tarde, ao verificar tal não passar de um artifício, desmentiu a sua confissão.

- Ora, Alteza, é claro que eles se protegem uns aos outros. A opinião de Frei Vasco Fernandes, neste caso, é mais do que suspeita.

- Tenho Frei Vasco Fernandes em grande estima e confio no seu juízo. Como aliás em todos os membros portugueses da Ordem. Bem sabeis como eles sempre lutaram com bravura contra a ameaça sarracena e como a sua presença é preciosa em muitos pontos da fronteira, garantindo a defesa e o povoamento.

In "Dom Dinis - a quem chamaram o Lavrador"

 

Nota: o link que utilizei, há nove anos, para identificar a imagem que ilustra este postal, já não existe. Fiquei assim sem qualquer tipo de referência, pelo que peço a compreensão dos visados.

11 de março de 2025

Um ano com D. Dinis (12)

AS VILAS A LESTE DO GUADIANA

11 de Março é uma data simbólica da nossa história recente. Mas também o foi há 746 anos.

A 11 de março de 1281, o rei D. Afonso X de Leão e Castela concedeu terras e igrejas aos Hospitalários, a título de escambo, para os compensar da perda de Moura, Serpa, Noudar e Mourão. O monarca castelhano pretendia doar estes lugares e vilas à filha D. Beatriz, rainha-viúva de Portugal. D. Beatriz tinha-se refugiado na corte castelhana, depois de enviuvar, por desentendimentos com o filho D. Dinis.

 

DinisQuadro.jpgImagem de D Dinis, publicada na História Universal da Literatura Portuguesa (2006)

 

Depois de aguardar uns momentos, Dinis inquiriu:

- As vilas de Moura, Serpa, Noudar e Mourão continuam em vosso poder, não é verdade?

- Sim, com todos os seus termos, castelos, rendas e direitos. Foi essa a recompensa de vosso avô, por eu lhe haver prestado assistência.

- Presumo então nada terdes contra o facto de integrá-las no reino de Portugal.

Beatriz fixou-o pensativa e, assim pareceu a Dinis, um pouco acusadora. Na verdade, o rei receava que ela dissesse ele não merecer tal, por ter abandonado o avô. Mas ela acabou por retorquir:

- Longe de mim contrariar vosso pai nessa questão.

- Meu pai?!

- Fosse ele vivo, não tenho a menor dúvida de qual seria a sua vontade.

Para Dinis, aquela era uma vitória de sabor amargo. Sua mãe concordava em alargar a fronteira portuguesa para leste do Guadiana, mas, pelos vistos, não porque ele merecesse, ou por ela lhe querer dar esse gosto.*

 

Foi graças a esta herança de sua mãe, que D. Dinis pôde alargar a fronteira portuguesa para leste do Guadiana, alargamento confirmado no Tratado de Alcañices, a 12 de Setembro de 1297.

 

*Excerto do meu romance "Dom Dinis - a quem chamaram O Lavrador"

8 de março de 2025

8 de Março

Publiquei este vídeo ontem à noite, no YouTube, Facebook e Instagram. Tem sido dos vídeos menos vistos de minha autoria. Penso que o tema é desconfortável demais. No Dia da Mulher, elogiam-se as capacidades e as características das mulheres, relembram-se as suas lutas, recorda-se o quanto há ainda para fazer. Tudo indubitavelmente importante. Estou, porém, convencida de que as mudanças apenas serão completas, quando o estatuto das prostitutas mudar também. As prostitutas são estigmatizadas, os seus clientes não. É preciso uma mudança de mentalidades. Enquanto os homens considerarem que é de seu direito comprar sexo, usando uma mulher como um produto, não pode haver igualdade.

Quando se fala de mulheres, ninguém se lembra delas. Apagam-se, como se não existissem. E, no entanto, são mulheres como as outras. Mulher é mulher. Seja a mãe mais considerada, seja a que vende o seu corpo. 


 

 

7 de março de 2025

Um ano com D. Dinis (11)

CERCO A COIMBRA

A 7 de março de 1322, D. Dinis cercou a cidade de Coimbra. O reino português encontrava-se em plena guerra civil, entre o rei e o seu herdeiro, futuro D. Afonso IV. O príncipe havia tomado posse de Coimbra, pela força, a 31 de dezembro de 1321. Naquele dia de março, também D. Isabel para lá se dirigiu, deixando o seu desterro em Alenquer, ordenado pelo próprio D. Dinis, que a acusava de pactuar com o filho. Esta guerra desgastou muito o rei, pode mesmo ter acelerado a sua morte.

Como se vê, havia um grande drama familiar por trás da guerra que dilacerou o reino português no início do século XIV. Não deixa de ser estranho, tendo em conta os protagonistas: um rei culto, justo e amigo do povo; uma rainha exemplar; o filho dos dois.

DinisCoimbra.jpgPormenor da estátua de D. Dinis em Coimbra

Vendo a derrota à frente, Dinis pediu a Isabel:

- Suplico-vos que arranjeis guisa de estabelecer a paz sem que haja vencedor nem derrotado.

- Pedis-me o impossível.

Dinis aproximou-se dela e, pegando-lhe nas mãos, insistiu:

- Intercedei junto de Deus! Diz-se já haverdes feito milagres… Não o podereis tornar a fazer?

A rainha engoliu em seco e replicou:

- A graça de fazer milagres só é concedida quando Deus assim o entende, não depende da minha vontade. Sou um mero instrumento nas Suas mãos.

- Quereis dizer nada poderdes fazer por mim?

Ela fechou os olhos por um momento e quando os abriu, disse:

- Darei o meu melhor. Mas haverei mister de auxílio, de um mediador, a quem Afonso dê realmente ouvidos. E não me ocorre mais ninguém tão adequado como o conde de Barcelos.

Dinis estremeceu perante a menção daquele seu bastardo, por ele próprio destituído do cargo de alferes-mor e da maior parte das suas rendas, obrigando-o ao exílio. Até àquele momento, considerara-o um traidor. Agora, deu consigo a perguntar:

- Pensais que ele consentirá em falar comigo?

- Com certeza. Pedro Afonso é uma alma gentil, que não guarda rancor… E que vos ama e respeita como ninguém.*

 

Graças às intervenções de D. Isabel e do conde D. Pedro de Barcelos, o rei retirou para Leiria e o infante para Pombal. Em Maio, encontraram-se em Leiria e assinaram um acordo de paz. D. Dinis, porém, que já passara dos sessenta, foi acometido de doença grave à sua chegada a Lisboa.

 

Nos piores momentos da sua enfermidade, os cuidados e a dedicação de Isabel provaram ser imprescindíveis. O rosto dela iluminava o dia mais triste, a sua voz confortava, a sua serenidade dava confiança e coragem e o toque das suas mãos era bálsamo para almas aflitas. Isabel era a esperança transformada gente, como se Deus houvesse decidido dar uma forma humana a esse sentimento. E, apesar de haver amado outras mulheres e de, muitas vezes, haver odiado a rainha, Dinis não desejaria ter qualquer outra perto de si naquelas horas difíceis.*

 

D. Dinis melhorou. Mas a paz assinada com o filho foi quebrada cerca de ano e meio mais tarde, depois das Cortes de Lisboa, em Outubro de 1323. A guerra civil entraria na sua última fase.

 

Afonso IV Selo.jpgD. Afonso IV

 

* Excertos do meu romance "Dom Dinis - a quem chamaram o Lavrador"

 

1 de março de 2025

Um ano com D. Dinis (11)

 FORAL DE ALFAIATES

 

 

Alfaiates Brasão.png

 

A 1 de Março de 1297, D. Dinis concedeu foral a Alfaiates, freguesia do concelho do Sabugal, embora esta localidade leonesa só tivesse sido oficialmente integrada em Portugal no Tratado de Alcañices, a 12 de Setembro desse mesmo ano.

 

28 de fevereiro de 2025

Um ano com D. Dinis (10)

 INFANTA D. BRANCA DE PORTUGAL

 

Faz hoje 766 anos que nasceu a Infanta D. Branca de Portugal, a irmã mais velha de D. Dinis, primeira filha de seus pais D. Afonso III e D. Beatriz de Castela. Recebeu o nome da tia-avó paterna, Branca de Castela, regente em França durante a menoridade do filho Luís IX. Esta rainha acolhera o sobrinho Afonso (futuro Afonso III), na corte francesa.

D. Branca recebeu de seu avô Afonso X de Leão e Castela a herança de 100 000 marcos, que lhe deveria servir de dote. Porém, a infanta teve uma doença grave, pouco depois da morte do avô, prometendo dedicar a sua vida ao mosteiro de Las Huelgas de Burgos, caso sobrevivesse. Assim aconteceu e D. Branca usou o dote na reconstrução do mosteiro.

 

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Codex Manesse

Apesar de ter vivido longe de Portugal, a infanta manteve o contacto com o irmão Dinis, auxiliando-o em várias situações, nomeadamente, servindo de mediadora entre o rei e o irmão mais novo, nas revoltas que este levou a cabo.

Branca não professou, mas ficou conhecida como uma das maiores benfeitoras do mosteiro de Las Huelgas de Burgos e foi lá sepultada. Apesar de não ter casado, terá tido uma relação amorosa com o mestre carpinteiro responsável pelas obras do mosteiro, tendo dado um filho à luz, que foi incluído na nobreza castelhana (um episódio não esclarecido).

A infanta D. Branca morreu a 17 de abril de 1321. A sua sepultura pode ser visitada no referido mosteiro.

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Lancastermerrin88, CC BY-SA 4.0

 

 

27 de fevereiro de 2025

Um ano com D. Dinis (9)

 FUNDAÇÃO DO MOSTEIRO DE ODIVELAS

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Imagem Câmara Municipal de Odivelas

 

Faz hoje 730 anos que D. Dinis fundou o Mosteiro feminino cisterciense de Odivelas.

A 27 de fevereiro de 1295, deu-se lugar à cerimónia do lançamento da primeira pedra do mosteiro de São Dinis, em Odivelas, uma planície atravessada por um riacho e entre três pequenos montes: Luz, Togais e São Dinis. Seria construído um imponente edifício, que abrigaria cerca de oitenta monjas pertencentes à Ordem de São Bernardo, tal como os frades de Alcobaça.

Dinis presidiu à cerimónia, juntamente com a rainha e os dois filhos, e doava ao mosteiro todos os bens que possuía em Odivelas: vinhas, pomares, hortos, moinhos e azenhas, além de uma capela, casas e edifícios, onde a comunidade viveria durante a construção do convento. Também lhe doava outros bens na Charneca, em Pombeiro, Xabregas e Alenquer, incluindo o padroado da igreja de Santo Estêvão daquela vila. E, abrindo uma exceção nas leis de desamortização que ele próprio promulgara, autorizava a nova instituição a herdar os bens de raiz das suas monjas.

No seu discurso, o monarca referiu que aquele mosteiro seria construído

especialmente em honra e louvor de São Dinis e de São Bernardo, pelas nossas almas e dos Reis que antes de nós foram, e em remissão dos nossos pecados e dos nossos sucessores, fundamos e fazemos de novo em a nossa câmara de morada, que nós havíamos no termo da nossa cidade de Lisboa, no lugar que é chamado de Odivelas.

(excerto do meu romance)

Conforme foi seu desejo, D. Dinis foi sepultado neste mosteiro. Há cerca de dez anos, foi chamada a atenção para o avançado estado de degradação em que se encontrava o túmulo. Criou-se a página do Facebook  Vamos salvar o túmulo do rei D. Dinis, iniciativa que deu frutos. Não só o túmulo foi restaurado, como foi possível fazer a reconstrução facial do Rei Lavrador. Estão programadas mais revelações sobre ele, ao longo deste ano.

D. Dinis majestoso Nuno Luís FB.jpg

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