Depois de passar Maastricht, entra-se logo na Bélgica.
O caminho leva-nos alguns quilómetros ao longo do rio Maas.
Em todos os momentos da História, seja na Antiguidade, na Idade Média, ou no nosso tempo, são as mesmas paixões e os mesmos desígnios que inspiram os humanos. Entender a História é entender melhor a natureza humana.
Depois de passar Maastricht, entra-se logo na Bélgica.
O caminho leva-nos alguns quilómetros ao longo do rio Maas.
Depois de ver o pai ir-se embora, deixando-a no meio daquela região seca e solitária, na região de Burgos, Jette não conseguiu evitar a tristeza. Preocupava-se igualmente com a Pinou, já um pouco emagrecida. Conseguiria encontrar relva fresca, por aqueles caminhos de cascalho, que tinham ainda a desvantagem de acelerar o desgaste dos “sapatos” da égua?
Jette fixou a sua atenção nos aspetos positivos. O sol brilhava e a temperatura era amena (17ºC). E encontrava fontes pelo caminho, como aliás já lhe haviam dito ser usual em Espanha, onde a Pinou podia matar a sede.
Para a primeira noite, Jette encontrou, inclusive, um relvado com uma fonte, à saída de uma aldeia. Teve algumas reservas em montar a tenda em terreno público, sem permissão, mas ninguém reclamou. Pelo contrário. Várias pessoas passeavam por ali, com os seus cães, e cumprimentavam-na. Muitas tentavam conversar com ela, mas Jette quase nada entendia. Mesmo servindo-se do tradutor do Google, a comunicação era difícil. E ela estava cansada. Não obstante a simpatia das pessoas, a situação mostrava-lhe as dificuldades que teria de enfrentar, naquele país. Quando se recolheu na tenda, a moça sentiu-se muito sozinha.
Nos dias seguintes, Jette tinha dificuldades em encontrar onde dormir. Sucediam-se as aldeias e quintas abandonadas.
Num certo serão, era já bem tarde, quando encontrou uma localidade habitada. Sem vontade de procurar um lugar adequado, montou a tenda num parque infantil relvado. Ainda ali brincavam algumas crianças, preocupando Jette, pois os pais poderiam não ficar satisfeitos.
Mas niguém reclamou. Na verdade, os petizes ficaram muito entusiasmados com aquelas viajantes exóticas e até arranjaram maneira de carregar o powerbank de Jette.
Numa outra aldeia, parcialmente abandonada, Jette sentia os olhares curiosos pousados sobre si, quando lá entrou. Acabou por encontrar os obrigatórios fonte e relvado. Montou a tenda e encontrava-se a planear a rota para o dia seguinte, quando um carro parou à sua frente. Um espanhol começou a falar com ela. Sem o entender, Jette acabou por responder apenas “Sí”. O homem abalou. Passado um quarto de hora, surgiu-lhe com um saco de comida. E a surpreendida Jette acabou por jantar bem melhor do que pensava.
Depois de mais uma noite passada na tenda, uma mulher veio ter com ela, convidando-a para tomar o pequeno-almoço e autorizando-a a tomar duche em sua casa. Lá chegada, Jette constatou que o marido sabia falar inglês, tornando a comunicação bem mais fácil. Surpreendeu-se com o pequeno-almoço, onde abundavam os croissants e as bolachas. À despedida, ainda lhe deram um saco de comida.
Numa outra aldeia, quando estava a montar a tenda, foi abordada por uma idosa, que tinha vivido oito anos na Alemanha e sabia falar alemão. Os outros habitantes aperceberam-se da conversa animada entre as duas e, inteirando-se da jornada de Jette, trouxeram-lhe o jantar. A idosa, apesar de não ter um quarto para a moça, quis mostrar-lhe a sua casa, onde vivia sozinha e onde as duas passaram o serão a ver fotografias da sua família.
Apesar destes bons momentos, Jette passava dias inteiros sem encontrar ninguém, pelo caminho, enquanto percorria o planalto seco. Além disso, os dias ficavam cada vez mais curtos e, à noite, a temperatura chegava a descer aos 8ºC, com vento. Condições difíceis para dormir na tenda.
A 1 de novembro, o 54º dia da viagem, Jette atravessou o Douro (Duero), a caminho de Traspinedo, perto de Valhadolid.
Ao serão, escreveu no diário (tradução minha): “Neste momento, apenas desejo chegar ao destino. Segundo o Maps, são ainda 330 km até Castelo Branco, embora eu saiba que acabarão por ser mais. Sinto-me esgotada e noto que também a Pinou está cansada. Talvez a bonita paisagem nos consiga ainda animar, mas, por agora, estamos as duas cheias desta jornada”.
Logo a seguir, porém, tentou animar-se (admiro esta sua capacidade de olhar, sempre, para os aspetos positivos): “Por outro lado, fascina-me a confiança total que a Pinou deposita em mim. Ela seguir-me-ia incondicionalmente para todo o lado. E constato que, em Espanha, as pessoas são generosas, muitas vezes, melhores do que se pensa. Tenho de ter sempre presente este tipo de experiências, nos meus pensamentos – uma oportunidade enorme, um presente inacreditável”.
Compensou acreditar na generosidade das pessoas. A hospitalidade de nuestros hermanos não deixou de surpreender Jette. Talvez eu própria, ao ler o seu diário, tenha ficado ainda mais surpreendida do que ela.
Num serão, depois de encontrar um relvado, a moça preparava-se para tirar a sela a Pinou, quando uma mulher veio ter com ela. Sabia falar inglês, morava ali mesmo ao lado e convidou-a para jantar e pernoitar em sua casa. Veio mesmo a calhar, sendo as noites já tão frias.
Numa outra aldeia, foi abordada por várias pessoas e, quando ela disse não falar espanhol, foram logo buscar quem soubesse inglês. Este “tradutor” convidou-a para jantar e pernoitar na casa da sua família, podendo a Pinou ficar no terreno relvado do vizinho. Além disso, entrou em contacto com conhecidos na aldeia onde Jette programara passar a próxima noite, logo lhe arranjando alojamento.
Talvez não fosse assim tão difícil continuar até à fronteira portuguesa, em pleno Novembro.
Nota: Todas as fotografias e informações aqui divulgadas foram retiradas do diário de viagem de Jette:
No passado dia 11 de Janeiro, publiquei aqui uma fotografia de D. Dinis, depois de ter sido feita a reconstrução do seu rosto. Entretanto, e como há gente que, como eu, se entusiasma por estes assuntos, encontrei esta foto-montagem, no Facebook, que lhe dá mais majestade. Penso, assim, ser mais fácil admitir haver D. Dinis tido este aspecto, nos últimos anos da sua vida.
A reconstrução do rosto do rei-poeta foi apresentada no dia 7 de Janeiro, por ocasião dos 700 anos da sua morte, depois de terem sido analisados os seus restos mortais. E no decorrer deste ano, estão previstos vários eventos que recordarão e darão mais informações sobre este importante monarca.
Ora, em 2016, eu criei um blogue para ir acompanhando D. Dinis ao longo de um ano, realçando datas importantes do seu reinado. Decidi, por isso, aproveitar muito desse material para igualmente fazer de 2025 um ano de D. Dinis, aqui no Andanças. Tendo falhado este mês que está a chegar ao fim, começarei a recordar essas datas a partir do próximo, ficando Janeiro para 2026.
D. Dinis é conhecido por ter sido poeta, fundador da Universidade portuguesa (aliás em Lisboa e não em Coimbra) e mandado plantar o pinhal de Leiria, o principal motivo para lhe darem o cognome de Lavrador.
Na verdade, o sexto rei de Portugal não terá mandado plantar apenas aquele pinhal. Na Idade Média, gastavam-se quantidades exorbitantes de madeira e o desaparecimento das florestas era já um problema. O pinheiro bravo é das árvores que mais rapidamente cresce e, por isso, D. Dinis teria optado pela sua plantação em vários locais. Além disso, foi um grande impulsionador de todo o tipo de agricultura.
Mas o cognome de Lavrador não lhe faz justiça. D. Dinis foi igualmente um grande impulsionador do comércio, da pesca, da exploração mineira e um extraordinário legislador, além de ter expandido a fronteira portuguesa para leste do Guadiana, conseguindo ainda a inclusão da região de Ribacoa no reino. A fundação da Universidade e a sua poesia não foram igualmente os seus únicos contributos culturais. Ao decidir adotar o português como língua oficial dos documentos régios (que até à altura eram redigidos em latim, ou em galaico-português), D. Dinis contribuiu para a uniformização do idioma, dando condições para o seu desenvolvimento, pois diminuiu as enormes diferenças regionais. Pode-se dizer que, até ao início do século XIV, se falavam várias várias línguas; no nosso país. Dificilmente um nortenho entenderia um lisboeta, ou um sulista (e vice-versa). D. Dinis deu o primeiro passo para que a língua portuguesa se uniformizasse.
Ao longo deste ano, iremos conhecer melhor este monarca.
Nota: as minhas informações sobre D. Dinis baseiam-se na sua biografia, escrita pelo Professor José Augusto de Sotto Mayor Pizarro (Temas e Debates 2008).
Em França, há cada vez mais plantações de colza. Nunca li nada sobre o assunto, mas parece-me que têm vindo a substituir as de girassol. Também da colza se faz um óleo alimentar muito bom e saudável, adequado a todo o tipo de cozinhados. Há muito que uso o óleo de colza (além do azeite), pois, na Alemanha, abunda esta planta, o que torna o produto barato. Deduzo que a colza seja robusta, pois aguenta invernos muito rigorosos. Talvez seja esta a razão para se ter imposto ao girassol.
Quando vim para a Alemanha, em 1992, já havia colza (que eu nem conhecia). Mas só nos últimos anos a observo em França. E começa a haver igualmente na Espanha.
A morte de D. Henrique
Além da alegria pelo reencontro com o pai, Jette passou um serão muito agradável, com a senhora que os hospedou, o seu neto e o cão da família.
Estavam apenas a 10 km da fronteira francesa e, num ato simbólico, Jette atravessou-a a cavalo, enquanto o pai esperou por ela do lado francês.
Depois de acomodarem a Pinou no atrelado, fizeram-se ao caminho, em direção a Espanha.
Jette queria, porém, realizar um sonho: cavalgar ao longo do Atlântico. Fizeram, então, uma paragem em Capbreton, pequena localidade costeira perto de Bayonne. Aí, Jette e Pinou viveram momentos inesquecíveis.
A moça cavalgou durante cerca de uma hora, na praia. Jette escreveu (tradução minha): “Penso que nunca tinha galopado a tamanha velocidade. Depois de tanto tempo no atrelado, a Pinou estava cheia de energia, fazendo a areia voar à nossa volta. Um grande sonho meu tornou-se realidade e não consigo expressar em palavras os sentimentos que me abalroam. Tenho uma sorte incrível em poder viver tudo isto”.
Há um vídeo, feito pela própria Jette, a galopar. Quem tiver Instagram, pode vê-lo, no 43º dia de viagem (Tag 43). Ponho aqui um frame desse vídeo, onde se vê a crina da Pinou a voar.
Realizado este sonho, Jette e o pai retomaram a viagem. Atravessaram a fronteira e alojaram-se numa bonita quinta, nos Pirenéus, onde ficaram três dias.
Aproveitaram para visitar Bilbao, a cerca de hora e meia de distância.
Em princípio, Jette retomaria a sua viagem a partir do alojamento, mas, tanto ela, como o pai, pensaram ser melhor deixar os Pirenéus para trás. Uma boa ideia, sobretudo, tendo em conta que já se encontravam em fins de outubro. Avançar sozinha com a Pinou, por zona tão montanhosa, onde não se exclui a caída de neve, podia tornar-se perigoso. Seguem-se algumas imagens minhas, igualmente frames, de um troço da autoestrada entre Vitoria (Gasteiz) e Burgos. O vídeo foi feito durante a nossa viagem, em Abril do ano passado.
A 24 de outubro, o pai de Jette deixou-a na zona de Burgos. Confesso que esta era a fase da jornada que mais curiosidade me despertava: o longo planalto espanhol, entre Burgos e a fronteira portuguesa.
O Horst e eu já fizemos este caminho inúmeras vezes, nos últimos trinta e dois anos. Mesmo da autoestrada, dá para perceber como a região é seca e solitária, quase um deserto de rochas e pó. Na primavera, ainda se vê algum verde a cobrir as colinas, salpicado com o vermelho das papoilas. No verão, há culturas de girassóis e, nos últimos anos, cada vez mais, de colza. No outono, porém, já se colheu tudo, restando uma paisagem queimada, onde proliferam as aldeias abandonadas.
Como iria Jette dar-se nesta inóspita região, tendo ainda (evitando estradas principais) cerca de 500 km até à fronteira portuguesa, com apenas uma égua por companhia e sem saber falar espanhol? Conseguiria alimentação suficiente e lugares de pernoita? Seriam nuestros hermanos (os poucos que ela encontraria) hospitaleiros? Temos sempre a impressão de que os espanhóis são arrogantes, pouco amigos de ajudar…
Depois de ver o pai partir, Jette sentiu-se muito sozinha. Já não estava na Alemanha, onde podia comunicar na sua língua. E, já nem os pais, nem o namorado, podiam vir ter com ela, no espaço de meia dúzia de horas.
À despedida do pai, um sorriso para a fotografia.
Nota: Todas as fotografias e informações aqui divulgadas (à exceção dos frames na auto-estrada, como explicado) foram retiradas do diário de viagem de Jette:
Caos na Península Ibérica
Chegada a Krefeld, depois de vinte e um dias de viagem e quase 570 km percorridos, Jette deixou a Pinou bem entregue e descansou três dias, alojada em casa de um tio. O namorado foi ter com ela. Na bagagem, trazia uma ração especial para a Pinou, própria para cavalos sujeitos a maiores esforços.
Jette e Pinou bem precisaram de todos os confortos proporcionados por esta estadia. Ao retomarem a viagem, a 1 de outubro, tinham a Eifel pela frente, uma cordilheira montanhosa, na Renânia-Palatinado, que se estende por 5300 km², entrando na Bélgica e no Luxemburgo e atingindo, no seu ponto mais alto, à volta de 750 m.
Não eram apenas os montes a tornarem custosas as etapas. Os dias eram já curtos e o tempo mudou, tornando-se frio e chuvoso. Por vezes, chovia um dia inteiro. Nas pausas, para comer a merenda, Jette abrigava-se debaixo de uma árvore. E nem sempre encontrava quem lhe cedesse um quarto para dormir.
Pernoitando na tenda, com temperaturas entre os 0ºC e os 4ºC, Jette tinha frio, apesar de se deitar vestida com calças de ski e de cobrir o saco-cama com uma manta da Pinou, feita de pêlo de ovelha. Por vezes, tinha de montar a tenda em relvados totalmente alagados. Deste modo se apresentavam igualmente muitos caminhos, obrigando-as a fazer grandes desvios.
Havia dias em que só avançavam 18 ou 20 km. Cheia de andar à chuva, Jette começava a procurar alojamento pelas duas e meia da tarde. E, caso só lhe restasse dormir na tenda, a preparação da viagem, no dia seguinte, era penosa, debaixo da chuva. Jette sentia pouca motivação para continuar e demorava uma eternidade até ter tudo pronto, só arrancando pelas 11 horas.
A jovem começou a duvidar se devia prosseguir. Sempre soube que ia deparar com dificuldades, mas seriam estes desafios extremos boas lições de vida, ou contribuíam apenas para a deprimir? Sentia muita falta do namorado, da família e de uma rotina caseira. Não saber, dia após dia, onde e como ia passar a noite, era psicologicamente exaustivo. E parecia-lhe que as mudanças constantes esgotavam também a Pinou. A todo o momento, poderia solicitar ao pai que a fosse buscar de carro, trazendo um atrelado para a égua. Acabaria por o fazer?
Depois de dez dias de canseiras e extremo desconforto, encontrou uma pequena quinta com gente muito simpática. A Pinou teve direito a um estábulo coberto e, apesar de a família não ter um quarto disponível para a Jette, ela pôde dormir numa divisão aquecida, deitada no seu colchão de ar.
No dia seguinte, talvez notando que ela estava realmente esgotada, sugeriram-lhe que ficasse mais uma noite. Num primeiro momento, ela recusou, queria avançar. Mas mudou de ideias. Era domingo e, se ela e a Pinou estavam tão bem instaladas, porque não aproveitar aquele dia para descansar?
A primeira coisa que fez, depois do pequeno-almoço, foi tornar-se a deitar. Aquela possibilidade de poder descansar, a qualquer momento, sem preocupações, fez-lhe sentir a familiaridade típica de um domingo. Convidaram-na para almoçar e, em seguida, como não chovia, resolveu ir dar um passeio com a Pinou. Poder cavalgar, sem sujeitar a égua ao peso da bagagem, trouxe-lhe uma sensação de verdadeira felicidade.
Na segunda-feira, fizeram-se novamente à estrada. Os montes continuaram a cansá-las, mas o tempo melhorara e Jette notava que a Pinou, entretanto treinada, vencia melhor as subidas. Passado uns dias, numa outra aldeia, a jovem teve de escolher entre a tenda, ou levar o saco-cama para um antigo curral de vitelos, o abrigo da Pinou, guarnecido com feno fresco.
Escolheu ficar com a égua, o que se revelou a melhor solução. Durante a noite, Pinou deitou-se duas vezes ao lado dela, algo que, naquela situação, lhe deu conforto e felicidade imensos. Estabelecia-se uma verdadeira cumplicidade entre as duas, baseada, como sempre acontece numa relação entre um humano e um animal, numa total confiança mútua.
O saco-cama de Jette, no curral onde ela dormiu ao lado da Pinou
A jornada prosseguiu, novamente com alguma chuva. Por vezes, tinham sorte e encontravam um lugar agradável para dormir, com gente que a convidava para jantar. Outras vezes, tinham de se contentar com mais um terreno alagado, onde a moça montava a tenda, enquanto a noite se aproximava fria.
Jette ia resistindo, deixando a Eifel e as suas montanhas para trás, à medida que se aproximava do Saarland, onde o pai surgiria, a fim de as transportar até Espanha. Isso dava-lhe naturalmente motivação extra.
O pai e ela encontraram-se a 20 de outubro, perto da fronteira francesa. A moça e a égua tinham percorrido quase 1000 km, em quarenta dias.
Nota: Todas as fotografias e informações aqui divulgadas foram retiradas do diário de viagem de Jette: