Em todos os momentos da História, seja na Antiguidade, na Idade Média, ou no nosso tempo, são as mesmas paixões e os mesmos desígnios que inspiram os humanos. Entender a História é entender melhor a natureza humana.

30 de julho de 2011

Filhos

Não tendo filhos, vejo-me sempre numa posição um pouco complicada, quando quero dar a minha opinião sobre crianças, ou questões de educação. Por isso, deixo falar a Zélia Parreira, mãe de três filhos. A propósito das notícias de maus tratos que algumas amas infligiam às crianças a seu cargo, a Zélia escreveu um post que devia pôr muita gente a pensar:

Porque razão temos filhos?

Porque razão insistimos em trazer vidas a este planeta das quais não somos capazes de cuidar?

Porque razão as despejamos nas escolas, nas creches e em amas de madrugada e só voltamos já de noite?

Porque razão não estamos disponíveis para perceber que os nossos filhos estão tristes, acabrunhados, violentados?

Porque razão nós, seres imperfeitos e manifestamente incapazes de lidar com a realidade que vivemos, permanentemente afogados em mágoas e reclamações sobre tudo e sobre todos, insistimos em acreditar que os nossos filhos vão ser seres lindos e perfeitos, sempre lavados e penteados, sempre bem-comportados à mesa, que nunca vão chorar para não incomodar, que nunca vão fazer asneiras, que nunca vão ter problemas, nem angústias, que nunca vão ser infelizes?

Porque razão insistimos em ter filhos se depois permitimos que isto lhes aconteça mesmo debaixo dos nossos olhos e ainda insistimos em negar para não assumirmos que falhámos, que estivemos distraídos, que não vimos os sinais, que não soubemos ser bons pais?

Só uma das partes é inocente, tanto nesta história como nas outras histórias de crianças e jovens perdidos na vida, entregues ao abandono e à violência que têm vindo a público. São eles, as crianças e os jovens, e no entanto, são os únicos que foram punidos. De resto - as amas, os pais das crianças, os professores e todos nós, que construímos esta sociedade onde só o superficial importa - somos todos culpados. Que ninguém se atreva a lavar as mãos como Pilatos.

29 de julho de 2011

Ainda a propósito dos livros esgotados

A opinião que o Manuel Cardoso escreveu sobre Afonso Henriques - o Homem (entretanto, também publicada no Destante) despertou a curiosidade de algumas pessoas, como Iceman, que tentou adquirir o livro, mas disseram-lhe que estava esgotado (inclusive a própria editora!). Ele perguntou aqui no Andanças quando sairia a 3ª edição. Irritada com este absurdo de dar um livro por esgotado, quando há exemplares armazenados num qualquer depósito, decidi publicar um post a elucidar o caso.

Iceman iniciou um périplo por várias livrarias da capital e arredores e acabou por encontrar o livro. Já Candido, um comentador do 2711, apesar de ter encomendado os livros na Fnac de Cascais (nas suas palavras, depois da minha insistência de que não estavam esgotados) acabou por receber, dias depois, a mensagem de que não seria possível efectuar o seu pedido de livros!!! Pelos vistos, neste caso, não adianta ir à Fnac...

Outros comentadores partilharam as suas experiências e trocaram-se impressões sobre o comportamento dos funcionários nas diferentes livrarias, desde o livreiro solícito e bem informado, ao estudante que só lá está a ganhar uns cobres e que não terá muito interesse em deixar boa impressão no cliente. João Raposo falou da boa experiência que teve na Leitura do Bom Sucesso, que, apesar de ter o seu stock esgotado, confirmou que havia exemplares noutras lojas do grupo, oferecendo-se para os arranjar. A Teresa, além de dizer que este não era caso único, também foi convenientemente informada na Bulhosa das Torres Gémeas. Por fim, também a Laura veio partilhar a sua boa experiência na Barata.

De qualquer modo, chamo a atenção para o seguinte: se há casos em que os livros são dado como esgotados, quando ainda existem exemplares que, anos depois, são destruídos pelas editoras, algo está errado neste negócio!

28 de julho de 2011

Como é que Deus deixa acontecer?

É o tipo de pergunta que surge, perante catástrofes como a do Japão. Tremores de terra, tsunamis, chuvas torrenciais com desabamento de terras, secas monumentais… Espalham a morte e a miséria. Ficamos perplexos. Como é que Deus consente?

Perante um 11 de Setembro, há quem culpar: os islamitas, obcecados com a jihad, tão diferentes de nós cristãos, tolerantes e democráticos. Em casos destes, raramente nos perguntamos como é que Deus deixa acontecer, pois trata-se da “força do mal”, quiçá guiada pelo Diabo. Deus sempre teve os seus problemas com o Diabo, é a eterna luta entre o bem e o mal. E nós estamos do lado do bem, claro!

E agora? Quando um cristão, nascido e criado num dos países mais civilizados e democráticos do mundo, causa tal banho de sangue? Ontem, ouvi dizer a um jornalista norueguês, cujo local de trabalho se situa na zona onde a bomba rebentou e que assistiu a tudo de perto: “No fundo, todos nós sabemos que um atentado terrorista pode acontecer em qualquer lado, a todo o momento. Mas o que se passou na ilha de Utoya é indescritível, é horrível.”

Um cristão, bem parecido, extermina, em nome da religião, dezenas de crianças e jovens, indiscriminadamente, como se de um jogo de computador se tratasse…

Como é que Deus deixa acontecer?

(Texto originalmente publicado em 2711).

26 de julho de 2011

Entrevista (1)



A propósito de o romance Afonso Henriques - o Homem servir de apoio à divulgação da Viagem Medieval, a realizar em Santa Maria da Feira, de 28 de Julho a 7 de Agosto, dei uma entrevista à Rádio Star FM, a transmitir na terça-feira, 2 de Agosto, às 8h 40m e às 9h 40m (programa Nas Entrelinhas).


24 de julho de 2011

A Cruzada das Crianças



A minha última leitura de ficção foi um romance histórico em língua alemã, que não está traduzido em português. Resolvi, mesmo assim, referi-lo aqui, porque foca um tema pouco conhecido, a Cruzada das Crianças, um acontecimento envolvido em lendas, sendo difícil separar a realidade da ficção.

No ano de 1212, dois grupos de dezenas de milhares de crianças, um em França e outro na Alemanha, fizeram-se ao caminho, em direcção à Terra Santa, a fim de libertarem Jerusalém apenas com a força das suas preces, que iriam converter os infiéis!

As origens destes movimentos permanecem na penumbra, diz-se que várias crianças, na solidão do seu ofício de pastoras, foram abordadas por anjos, ou pelo próprio Cristo, que as predispuseram a iniciar a aventura, prometendo-lhes que, assim que chegassem ao Mar Mediterrâneo, este se abriria, como aconteceu a Moisés, na Bíblia, permitindo-lhes caminhar até à Terra Santa!

A Cruzada das Crianças, por Gustave Doré


Recordemos que, na Idade Média, havia muita pobreza e miséria, o povo analfabeto agarrava-se a todas as promessas de uma vida melhor. As crianças vindas de Colónia e outras partes da Alemanha, guiadas por um miúdo-profeta, que teria tido a visita de um desses enviados de Deus, aventuraram-se pelos Alpes, sem qualquer tipo de meios. Claro que a maior parte morreu de fome, exaustão, ou congelada, muitas delas caíram em precipícios.

Também é claro que o Mediterrâneo não se dividiu. Terá havido, então, tentativas de arranjar embarcações, que levassem as crianças que ainda resistiam até à Palestina. Os únicos marinheiros que se dispuseram a transportá-las de graça eram piratas sem escrúpulos, que as venderam  como escravas, em Alexandria.

Apesar do tema, o romance não me impressionou. Houve partes que me empolgaram, outras, que me desiludiram, pelas ingenuidade e facilidade na resolução de conflitos. Além disso, não me agradou que a autora responsabilizasse os franciscanos pela iniciação da Cruzada (seriam eles que estariam por trás das "aparições"), seguindo a tese de um historiador, Thomas Ritter, que ela, aliás, tem o cuidado de designar, num posfácio, como sendo polémica. Seguindo esta linha, há uma cena final, em que São Francisco de Assis nos é apresentado como um fanático sem escrúpulos, totalmente alheio à realidade, defendendo a justeza da iniciativa (mesmo depois de terem acontecido as desgraças). Enfim, não me pareceu verosímil.

22 de julho de 2011

Opinião "A Cruz de Esmeraldas"

Graças à máquina de busca do Google, deparei com uma opinião sobre o meu livro A Cruz de Esmeraldas, de que não tinha conhecimento, embora date do passado 6 de Dezembro. Na verdade, tenho desprezado um pouco este meu pequeno romance. E, no entanto, foi o primeiro que publiquei.

A ideia surgiu-me quando ainda escrevia o Afonso Henriques, pois a Conquista de Lisboa, só por si, é um tema com muito potencial. E, para não cismar nas recusas que recebia, meti mãos à obra.

Intitulei-o, inicialmente, A Moura e o Cruzado. E acabei por o enviar para um Concurso Literário, com o nome sugestivo de "O meu 1º Best-Seller", levado a cabo pelos hipermercados Modelo/Continente, em parceria com a editora Asa, que ainda não pertencia à Leya. Parecia-me que A Moura e o Cruzado seria mais indicado para aquele tipo de concurso, por ser mais pequeno e menos ambicioso do que o Afonso Henriques.

Estávamos em fins de 2006. E, em 16 Julho de 2007, o dia do meu aniversário (é verdade!), recebi um telefonema a dizer que tinha ganho o concurso e que o livro ia ser publicado!



Não me vou alargar a explicar como fui, depois, parar à Ésquilo e porque é que se mudou o título. O certo é que a Joana Dias, do blogue Páginas com Memória, o leu e deu a sua opinião, da qual transcrevo um extracto:

O livro prendeu-me da primeira à ultima página, sem tempos mortos, transportando-me numa viagem no tempo inesquecível que daqui a pouco tempo vou querer repetir com uma nova leitura ao livro. E são poucos os livros que me levam a lê-los uma segunda vez.



Obrigada à Joana Dias!

20 de julho de 2011

A Conquista do Pólo Sul

A sua «corrida contra-relógio» com o inglês Robert Scott, que Amundsen acabou por vencer ao chegar em primeiro lugar à meta, às três da tarde do dia 14 de Dezembro de 1911, é uma das aventuras mais admiráveis do século XX. Amundsen e Scott protagonizaram um duelo inesquecível. No entanto, a bandeira que ficou no extremo mais austral da Terra foi a norueguesa». In Gayban Grafie.

Sim, foi o norueguês quem ganhou. Mas, para mim, o herói foi o vencido: Robert Scott. A sua amargura é visível na fotografia que, ainda assim, a equipa inglesa tirou, para a posteridade, quando atingiu o Pólo Sul, em Janeiro de 1912, e constatou que tinha perdido a corrida.

Scott é o do meio, atrás

Robert Scott embarcou na aventura, deu o tudo por tudo, mas não conseguiu chegar em primeiro lugar. Nada mais lhe restava do que regressar, depois de tirar a fotografia. Essa viagem de regresso prova que se pode viver o inferno num dos lugares mais frios do mundo. Vi uma série televisiva, já há muitos anos, em que se dava conta da luta daqueles homens, pelo meio de tempestades de neve e temperaturas gélidas, usando um equipamento longe de ser eficaz. Tinham milhares de quilómetros a percorrer e teriam de o fazer antes de começar o Inverno antárctico, em Março.

As forças foram faltando, o frio e as tempestades de neve surgiram mais cedo do que o esperado, membros da equipa morreram pelo caminho. Um desgaste incrível, não só físico, como psicológico. Quando já só restavam Robert Scott e dois companheiros e se encontravam a apenas 11 milhas de uma estação de reabastecimento, os três estavam esgotados, já só se mexiam por instinto, como se fossem tele-comandados. Montaram a tenda no meio de uma tempestade, deitaram-se aconchegados uns nos outros... E nunca mais se levantaram.

Impressionante são as últimas linhas que Scott escreveu no seu diário, a muito custo, quando se apercebeu de que os seus dois companheiros, encostados a ele, um de cada lado, já haviam partido deste mundo. Essas últimas linhas incluíam uma carta a sua mulher, Kathleen Scott. O casal tinha um filho de apenas três anos.





"Dear it is not easy to write because of the cold — 70 degrees below zero and nothing but the shelter of our tent — you know I have loved you, you know my thoughts must have constantly dwelt on you and oh dear me you must know that quite the worst aspect of this situation is the thought that I shall not see you again."


A tenda só foi encontrada vários meses mais tarde, depois do Inverno austral, que acaba em Setembro. E só o foi por sorte, pois estava quase completamente soterrada pela neve. Os três cadáveres estavam congelados lá dentro. As mãos de Robert Scott ainda seguravam a caneta e o diário.

A descrição minuciosa da aventura, as fotografias, todo o drama foram assim recuperados para a Humanidade.

19 de julho de 2011

Pois... (e retomando o tema)

Da autoria de Hugo Xavier, via Blogtailors (texto completo no link do autor):

A crise chegou e as editoras estão em pânico. As curtíssimas margens de lucro num negócio que pouco tinha de negócio desapareceram num espaço ainda mais curto de tempo. As livrarias não pagam, os leitores não compram. E vai piorar.As pequenas e médias editoras ou têm fundo de maneio que lhes permita aguentar a crise ou vão fechar portas (conheço muito poucas que tenham essa almofada de segurança). O mesmo vai passar-se com as pequenas e médias livrarias.

No que toca às grandes editoras, as soluções dos gestores passam por baixar preços e fazer grandes saldos, medidas inevitáveis para a sobrevivência no momento mas de consequências desastrosas no futuro. Se e quando a crise começar a passar, os alguns anos de preços da chuva, "packs" e saldos vão condicionar os leitores sobreviventes relativamente a preços mais 'verdadeiros'.

Não devemos escamotear a verdade: o sector vai ficar moribundo. Vão fechar editoras, distribuidoras, livrarias e mesmo gráficas. Muitas. A maior parte. Vão ficar sem trabalho editores, livreiros, comerciais, tradutores, revisores, técnicos diversos das mais diversas áreas ligadas à edição de livros e sua produção.

18 de julho de 2011

Crianças-Lobo

As crianças-lobo viviam em florestas, andavam cerca de 20 quilómetros por dia, principalmente, no Inverno, para vencer o frio. Comiam ratazanas, cadáveres e cascas de batatas, encontradas em lixeiras, muitas morreram de fome, algumas, infestadas de piolhos e outros parasitas.

Ao contrário do que parece, não se trata do resumo de mais um livro de ficção, ou de um filme de Hollywood. As crianças-lobo existiram. Não na Idade Média, como se podia pensar, ou noutras eras mais distantes, mas no século XX. E não estamos a falar de regiões inóspitas, mas da "nossa" Europa!

As crianças-lobo eram originárias da Prússia Oriental, um território alemão que, depois da Primeira Guerra Mundial, ficou geograficamente separado do resto da Alemanha pelo chamado corredor polaco. Depois da Segunda Guerra, a Alemanha perdeu o território por completo, que foi dividido entre a Polónia e a Rússia. A partir de 1944, as tropas soviéticas começaram a invadir a Prússia Oriental, espalhando o terror e a destruição. Alguma da população conseguiu fugir para a Alemanha, mas algumas crianças, vendo-se órfãs ou em situações de perigo, fugiram em direcção às florestas da Lituânia.

São histórias incríveis e praticamente desconhecidas do mundo. Li a de Ursula Dorn, hoje com 76 anos, no Jornal Católico do bispado de Hildesheim. Com apenas dez anos e cansada de assistir à violação de mulheres, à fuga de pessoas em chamas de casas incendiadas e ao juntar de cadáveres pela rua, Ursula Dorn, apesar de ter a mãe ainda viva, fugiu àquele horror num comboio de mercadorias, em direcção à Lituânia. Por ali errou, durante dois anos. Dormia em celeiros, ou em campos, e escondia-se na floresta. Sobreviveu, nas suas palavras, graças à bondade de camponeses, que, apesar de muito pobres, sempre lhe iam dando uma caneca de leite e um pedaço de pão. Às vezes, até a recolhiam temporariamente.

Muitas dessas crianças foram adoptadas pelos camponeses lituanos. Proibidas de falar alemão, para que o exército soviético não as notasse, receberam nomes lituanos e foram naturalizadas. Muitas conseguiram regressar à Alemanha, depois da guerra, outras por lá ficaram, recalcando a sua verdadeira origem. Hoje, ainda lá vivem algumas dezenas. São pessoas muito pobres, analfabetas e esperam, agora, serem naturalizadas alemãs, a fim de terem direito a uma reforma de jeito. Mas tem sido difícil. Como diz Ursula Dorn, "fomos esquecidos, ninguém se preocupou connosco".

São histórias arrepiantes. Na Alemanha, há alguns livros publicados sobre este assunto e foram feitos alguns documentários para a televisão. Quem quiser mais informação, na Wikipedia, em inglês e em alemão.

16 de julho de 2011

Prenda de Aniversário

Esta última semana trouxe-me duas boas notícias (mal-grado as informações falsas de certas livrarias - ver post anterior): a opinião do Manuel Cardoso sobre Afonso Henriques - o Homem e o facto de a organização da Viagem Medieval de Santa Maria da Feira ter resolvido promover o meu romance. E como tudo culmina no meu aniversário, precisamente hoje, resolvi dar-me este post, que agora escrevo, de prenda.

São estas "pequenas grandes" coisas que me motivam, que me dizem que valeu a pena embarcar nesta aventura da escrita. Porque a compensação monetária nunca a terei. Foram horas, semanas, meses e anos investidos num projecto em que teimei acreditar, por mais que me quisessem convencer de que não valia a pena:

"Os escritores de romances históricos têm toda uma equipa a trabalhar para eles. Tu, sozinha, pensas que chegas onde?"
"Como podes pôr o Afonso Henriques a ter atitudes destas? Sabe-se lá como ele era."
"Isto veio mesmo da tua cabeça? Não leste nalgum lado? Cuidado com o plágio! Sabes o que é o plágio?"

Cheguei a ouvir mimos destes, ditos por familiares, que, pelos vistos, nunca se aperceberam de que há uma coisa chamada motivação, que se deve usar em relação àqueles que amamos.

Aprendi muito pouco sobre História de Portugal, o 25 de Abril apanhou-me na 3ª classe, pelo que fiz o ciclo preparatório e quase todo o liceu nos tempos conturbados que se seguiram à Revolução dos Cravos. Não sei se a nossa História ficou "esquecida" como reacção ao exagero do tempo da ditadura, ou, simplesmente, por falta de coordenação do Ministério responsável. Muitas vezes, os governos sucediam-se em catadupa. Mas é um facto: quem fez o ciclo/liceu entre os anos lectivos de 1975/76 e 1983/84 pouco ouviu falar de História de Portugal!

Vivendo no estrangeiro, não foi fácil pesquisar, impossibilitada de consultar regularmente as nossas bibliotecas. Apesar de me fartar de gastar dinheiro em livros, nas minhas estadias em Portugal,  constatava, em casa, depois de os ler, de tirar apontamentos e de organizar o enredo, que me surgiam dúvidas só susceptíveis de serem esclarecidas com a aquisição de novos livros.

Fiz uma odisseia pelas editoras, "coleccionei" recusas. Até à publicação do primeiro livro, foram vários anos de esperanças, desilusões e o "cerrar de dentes", a fim de ganhar novo alento. Mas li, algures, que a única diferença entre um escritor que publica e outro que não o consegue, é que o primeiro não desiste. E fiz desse princípio o meu lema.

Os sonhos são realizáveis, quando descobrimos a nossa vocação e acreditamos em nós próprios. Porque nós, os anónimos, os que começamos do zero, no início, só temos o sonho.

Continuação de bom-fim-de-semana para todos!

15 de julho de 2011

Esgotado, uma ova!!!

Nos últimos dias, Iceman e João Raposo, dois visitantes deste blogue, expressaram a sua desilusão por estarem interessados em livros meus e lhes terem dito, nas livrarias, que estavam esgotados. Esta informação é falsa. Os livros não estão esgotados, a distribuidora Sodilivros ainda os tem!

É uma falta de respeito, por parte das livrarias, não só em relação ao escritor, mas sobretudo, aos seus clientes, dizerem que um livro está esgotado, apenas pelo facto de, na respectiva loja, já não haver mais nenhum!

Vou, mais uma vez, comparar com a situação na Alemanha, na verdade, parece que, em Portugal, ainda há muito para corrigir. Na Alemanha, quando um cliente vai a uma livraria, pergunta por livro e ele não se encontra disponível nessa loja, o funcionário vai logo consultar no computador se ele ainda está disponível na distribuidora. Se sim, pergunta logo se o cliente o quer encomendar. Em caso afirmativo, o livro chega à livraria no dia seguinte!

Já não peço esta rapidez, apenas que informem convenientemente os clientes! E lhes dêem a hipótese de encomendar o livro, nem toda a gente tem disposição para comprar pela internet.

O meu conselho a todos os que procurem livros meus e levem com a resposta do esgotado: digam que sabem, de fonte fidedigna (podem dizer que da própria escritora) que a distribuidora Sodilivros ainda tem exemplares e perguntem se não é possível encomendar o desejado!

Depois de ter levado com a resistência das editoras, ainda tenho que levar com a das livrarias. Assim, não vamos lá, minha gente!!!

P.S. As livrarias que, no meu conhecimento, deram informações erradas foram duas sucursais da Fnac, a Bertrand do Cascais Shopping e a Bertrand do Colombo.

Ferdinand Graf von Zeppelin

Foi exactamente há um ano que publiquei este post, no meu antigo blogue.





- Eh pá, diz-me lá! O que preciso eu de fazer para que me eternizem assim numa estátua?




- Não há pachorra! Uma vez famosos, deixam de comunicar com os mortais comuns!

Já agora, o que ficou por explicar, há um ano: o senhor da estátua parece um daqueles personagens do Tintim, mas é o famoso Graf von Zeppelin, inventor do dirigível (engenho que, na Alemanha, se chama precisamente Zeppelin) e que, como todos sabemos, inspirou ainda o nome de uma banda rock dos anos setenta. A estátua encontra-se na cidade alemã de Friedrichshafen, nas margens do lago Constança, onde se situavam os estaleiros de construção da máquina voadora. Hoje, no seu lugar, pode-se visitar o Museu Zeppelin.

A zona à volta do Lago Constança, de fronteira com a Áustria e a Suíça, é lindíssima. E ainda se vêem dirigíveis a sobrevoar o lago, para gáudio dos turistas.

14 de julho de 2011

Viagem Medieval

www.viagemmedieval.com


Lamentava eu, a 25 de Junho, que tinha muita pena de não poder embarcar nesta viagem. Agora, ainda tenho mais pena! Recebi da editora a informação de que o meu romance sobre D. Afonso Henriques serve de apoio à promoção da "Viagem Medieval", de Santa Maria da Feira. Pelos vistos, o livro vai estar lá, à venda.

Viver no estrangeiro tem destas chatices. Nem sequer tenho a alegria de ver os meus livros à venda. Por acaso, quando estive na Fnac do Porto, em Junho, descobri um exemplar do D. Dinis, enfiado na prateleira. Enfim, melhor do que nada...

12 de julho de 2011

Opinião Afonso Henriques II



Este livro é um verdadeiro exemplo do que deve ser um romance histórico porque consegue construir uma dramatização dos factos sem manchar a verdade histórica, ao mesmo tempo que revela uma especial sensibilidade na abordagem da dimensão psicológica na caracterização dos personagens.

Estas palavras são da autoria de Manuel Cardoso. Ele caracteriza a minha escrita como sendo "cinematográfica" (obrigada, essa foi mesmo uma opção que tomei, como escritora) e elogia a minha sensibilidade para compreender e exprimir a alma humana; os seus personagens são tão “humanos” que o leitor se envolve com eles, vivendo as suas paixões, o seu sofrimento e as suas alegrias.

O constatar que os meus objectivos foram atingidos, que a "mensagem passou", é uma das melhores recompensas que me podem dar, o verificar que valeu a pena, mesmo se, muitas vezes, pensei em desistir, na altura em que coleccionava recusas de editoras. E, mesmo que não tenha vendido muito até agora (deste romance venderam-se cerca de 2000 exemplares), depois de ler linhas destas, fico com a certeza de que o esforço compensou. E crio motivação para continuar a escrever.

Mais alguns excertos da opinião do Manuel Cardoso:

Ao longo de toda a obra, CT desfaz-nos vários pré-conceitos, herdados do senso comum e de tradições literárias e cinematográficas.

Em relação a alguns aspectos mais controversos da vida de AH, em que a historiografia não dá respostas definitivas, CT contorna-os habilmente: o local de nascimento de AH, a localização exacta da batalha de S. Mamede ou a “prisão” de D. Teresa no Castelo de Lanhoso.

Outro aspecto muito importante, muito bem explanado por CT é este: o nascimento de Portugal está umbilicalmente ligado à afirmação da diocese de Braga face a Santiago de Compostela e a Toledo, capital hispânica da cristandade. Ao longo do livro é notória a influência do arcebispo de Braga, D. João Peculiar.


Não é difícil perceber que considero esta obra brilhante! Mas gostava de finalizar este comentário com a referência a um episódio que bem demonstra o espírito da obra e que é, a meu ver, um dos pontos mais altos da narrativa: o momento em que Afonso Henriques, gravemente ferido no desastre de Badajoz, é assistido por um brilhante físico (médico) muçulmano. Nesse momento, AH reconhece o absurdo da guerra religiosa, comprometendo-se perante a sua consciência a respeitar a população muçulmana.


Em Dos Meus Livros pode-se naturalmente ler a opinião completa.

11 de julho de 2011

Visita a Toledo II



A comitiva continuou a sua digressão e, chegados a um outro edifício, el-rei desmontou, pelo que todos o imitaram. Entraram no edifício e Dinis quedou-se mais uma vez boquiaberto. Apesar de não se tratar de um mosteiro, inúmeros escribas e copistas, debruçados sobre escrivaninhas, dedicavam-se aos seus pergaminhos, só parando à passagem d’el-rei, a fim de o cumprimentarem. Havia ainda senhores que conversavam em línguas que o pequeno não entendia. Eram judeus e muçulmanos, à conversa com monges e outros cristãos! Consultavam documentos e comparavam-nos. Talvez por se aperceber da sua confusão, o avô chamou o neto e disse-lhe:
- Encontras-te na Escola de Tradutores de Toledo.
- Escola de Tradutores?
- Sim. Traduzir significa passar escritos de uma língua para outra. Por isso, mandei aqui reunir estudiosos das mais diversas proveniências.
- E o que é que eles traduzem?
- Textos antigos. - El-rei pegou num livro velho e mostrou-lhe: - Estás a ver estes sinais esquisitos? Isto é grego, uma língua que andava esquecida, mas que os muçulmanos preservaram e traduziram para árabe. Com a sua ajuda, estudiosos cristãos traduzem-na para latim e castelhano.
- Mas porque fazem isso?
- Porque há aqui muita sabedoria. São textos escritos por sábios que viveram há muitos séculos. Há tratados de filosofia, astronomia, medicina, matemática, geometria e de outros ramos do saber. E é todo esse saber que eu quero reunir e copiar em livros que a Cristandade entenda.


10 de julho de 2011

As Regras da Cavalaria Medieval

Agora, que acabou a série dedicada à Conquista de Santarém e que iniciarei, em breve, uma dedicada à Conquista de Lisboa, uma palavra sobre o facto de D. Afonso Henriques ter desrespeitado certas regras de cavalaria no ataque à primeira das duas cidades.

Como o Guardião lembrou, num comentário em Conquista de Santarém - a Preparação, estas regras eram constantemente infringidas. Na verdade, a Idade Média era uma época em que a disparidade entre "teoria" e "prática" era ainda maior do que hoje, pode-se mesmo dizer que se vivia de aparências. Ninguém queria saber o que cada um pensava na intimidade, tudo era público. Dava-se muita importância aos rituais, às encenações, aos gestos, ao cerimonial, etc. A disparidade entre o que a Igreja pregava e as práticas do dia-a-dia era enorme. O comportamento sexual, por exemplo, era muito leviano. Principalmente entre o povo havia muita tolerância, o casamento religioso só se começou a impor pelos séculos XII e XIII (Santa Isabel empenhou-se nesse aspecto). Além disso, apreciava-se a piada brejeira, capaz de fazer corar os mais destemidos habitantes do nosso século.

A situação com a cavalaria nobre era semelhante: apregoavam-se os seus valores, mas estes eram frequentemente desrespeitados, embora tivesse havido muitos nobres capazes de os levar a peito.

Imagem Manuel Morgado

D. Afonso Henriques era um homem perfeitamente enquadrado na sua época. Não era especialmente sanguinário, mas também não era um poço de virtudes. Se ele usou métodos menos sérios para a conquista de Santarém, ninguém o acusou de nada, depois de ele ter ganho a cidade para a Cristandade. Os altos dignitários da Igreja também nunca se interessaram pelos métodos usados pelos cruzados na Terra Santa, conquanto estes fizessem as suas conquistas.

D. Afonso Henriques não era uma criatura sobrenatural, que levava a cabo uma missão que lhe fora confiada por Deus, como nos fizeram acreditar anos a fio. Não era santo, nem nunca o quis ser, foi alheio à tentativa de o santificar, iniciada séculos depois da sua morte. Era, sim, um homem inteligente, saudável e corajoso, que teve a sorte de se ver com poder nas mãos ainda novo e de viver muitos anos. O facto de ser primo de D. Afonso VII, imperador de toda a Hispânia, também o ajudou, pois este seu parente sempre o respeitou muito, evitando tomar atitudes radicais contra a sua insubordinação.

8 de julho de 2011

Conquista de Santarém III - o Ataque

Conquista de Santarém


O que a imagem não explicita é que o ataque a Santarém se deu pela calada da noite.

 
Escolhendo um momento propício, em que o vigia se encontrava mais longe, o moçárabe esgueirou-se com três companheiros até à muralha, enquanto o resto dos homens se mantinha escondido. Os quatro iam munidos de uma escada de pau, tosca e leve. Ao atingirem o sopé do muro, de cerca de quarenta pés de altura, quedaram-se silenciosos, pois já ouviam os passos do vigia fazer o caminho de volta. Esperaram até que ele estivesse mesmo por cima deles, o local onde o mouro, depois de um curto compasso de espera, tornava a dar meia-volta.
Assim que o sentiram distanciar-se, encostaram, com muito cuidado, a escada às muralhas. Com a sua adaga segura entre os dentes, Mem Ramires começou a trepar, silencioso e ágil, sem deixar de prestar atenção ao som dos passos do mouro. Quando ia a meio da escada, sentiu a sentinela parar. Logo se imobilizou. Bem sabia que o outro ainda não tinha dado os seus trinta passos, devia ter sentido alguma coisa. Assim ficou o moçárabe paralisado, de coração aos saltos, à semelhança do companheiro que subia atrás dele, alguns degraus mais abaixo. Os dois nem se atreviam a respirar, durante aquilo que se lhes assomava como uma eternidade. Finalmente, o vigia encetou a sua caminhada, sem mudar de direcção, pois os passos continuaram a distanciar-se.
A uns dez palmos de distância da ameia, Mem Ramires tornou a parar. O mouro já vinha de regresso, o que, aliás, fazia parte dos seus cálculos. Mas este era um momento decisivo. Os atacantes quedaram-se, mais uma vez, imobilizados e de respiração presa, rezando para que o vigia não desse por eles.
O mouro chegou ao local de partida, onde fazia o seu compasso de espera. Mem Ramires tinha a impressão de que ele, desta vez, se demorava mais tempo. Estavam bem perto um do outro: o mouro sobre o adarve, na ameia, a mesma que se encontrava à distância de dez palmos da cabeça do moçárabe, que o ouvia respirar, enquanto ele próprio não se atrevia a fazer uso dos seus pulmões. Além disso, sentia a escada de pau leve e elástico a bambolear, com o peso de dois homens sobre ela. Era o máximo que a construção aguentava. Mem Ramires sabia, por isso, que os restantes dois companheiros ainda se encontravam no chão. Se a escada quebrasse, ou o mouro desse por eles, estava a empresa perdida e D. Afonso não conquistaria tão cedo a cidade de Santarém. Mais do que a própria morte, Mem Ramires receava desiludir el-rei de Portugal.
O mouro reatou finalmente a sua marcha e o moçárabe, apesar de aliviado, não se esqueceu de expirar o ar devagar, antes de espreitar pela ameia. À sua direita, na direcção da porta de Atamarma, viu as costas do vigia, que se afastava. À sua esquerda, não descortinou vivalma. Enfiou-se pela ameia, aproximou-se silencioso da sentinela, agarrou-lhe no queixo por detrás e, num gesto preciso e rápido, cortou-lhe a goela com a adaga. O grito do mouro abafou-se num gorgolejar e Mem Ramires sentiu o sangue quente esguichar-se-lhe para as mãos.

Todos os quatro homens conseguem saltar para o adarve, neutralizar as sentinelas e abrir a Porta de Atamarma a el-rei e aos seus cavaleiros, antes de a cidade acordar por completo.


O chão começou a tremer debaixo de centenas de cavaleiros a galope. Aos ouvidos de Mem Ramires, este estrondo assomava-se mais doce do que as cantigas dos jograis. A patrulha mandada pelo alcaide, que já estava prestes a alcançá-los, tentou recuar, mas acabou esmagada debaixo das ferraduras dos cavaleiros vilãos.
Afonso e os seus homens foram-se infiltrando pelas ruelas da cidade, chacinando as sentinelas que se atreviam a fazer-lhes frente e avançando sem grande resistência até à alcáçova, onde o alcaide, vendo-se sem outra hipótese, se tinha barricado, juntamente com o grosso da sua guarnição. Os portugueses puseram cerco à muralha interior, que os mouros por sobre o adarve defendiam, disparando as suas bestas, cujos virotes trespassavam as cotas de malha. Mas também os cavaleiros vilãos usavam os seus arcos, permitindo que companheiros seus se aproximassem das portas, a fim de as desfazerem com os machados.
Finalmente, uma porta cedeu. O primeiro português penetrou na fortaleza montado sobre o seu cavalo, manejando o machado como um possesso para ambos os lados, atacando os mouros que encontrava pela frente e abrindo caminho aos seus companheiros. Alguns muçulmanos lograram espetar os seus sabres na barriga dos animais, obrigando os seus ocupantes a desmontar e a lutar corpo a corpo.
Os cavalos atacados esvaíam-se em sangue, dando gritos lancinantes. Também guerreiros feridos davam expressão à sua agonia. Mas os portugueses conseguiam levar a melhor naquela chacina. Aos poucos, iam penetrando na alcáçova, até abrir caminho ao próprio rei, ao Espadeiro e ao Cativo. Alguns avançaram até ao portão que dava acesso ao exterior, que abriram, permitindo a entrada do Sousão e dos seus homens.
Os mouros não resistiram por muito mais tempo. Os guerreiros de Afonso tomaram conta de todos os edifícios e compartimentos da fortaleza, matando os homens e violando as mulheres por sobre o sangue que manchava os tapetes e as almofadas das luxuosas alcovas.
Quando o Domingo, dia 15 de Março de 1147, amanheceu, já os gritos de sofrimento e agonia tinham cessado. E era o estandarte do rei português, com os seus escudetes azuis em forma de cruz, que a brisa sacudia no cimo da torre de menagem da alcáçova de Santarém.



Estava aberto o caminho para a conquista de Lisboa.

5 de julho de 2011

Conquista de Santarém II - a Preparação

          Juntamente com Lourenço Viegas Espadeiro, Gonçalo Mendes Sousão e Fernão Peres Cativo, Afonso comandava o pequeno exército de quinhentos homens, formado pelos cavaleiros de Coimbra, os cavaleiros vilãos dos concelhos e os Templários de Soure. No segundo dia de marcha, terça-feira, penetraram na serra de Aire, no meio da qual se encontrava o castelo de Ourém, ou Abdegas, como os mouros lhe chamavam. Dominava no cimo de um monte sobre uma vasta região, vigiando o acesso a Santarém. Acabou por se render ao rei português. A maioria da sua guarnição, assim como a das populações da serra de Aire, era moçárabe.
No dia seguinte, ao atravessar o alto da serra de Minde, Afonso fez o voto de dar aos cistercienses todo aquele território que ia, para norte, até Leiria, e para oeste, até ao mar, a fim de que a ordem fundasse aí um mosteiro.

Este havia de ser o mosteiro de Alcobaça.

Há indícios de que Afonso Henriques teria alguns problemas de consciência, devido ao carácter traiçoeiro da operação, que haveria de conduzir à conquista de Santarém. Antes de deixar Coimbra, terá ido ter com o seu confessor, D. Teotónio, prior do mosteiro de Santa Cruz de Coimbra, que foi o primeiro português a ser canonizado. O monarca, além de lhe encomendar a própria alma, terá pedido confirmação da justeza das suas intenções.

Em Miniatura


Porque o problema com a estratégia usada em Santarém não se prendia apenas com o facto de se estar a planear entrar na cidade à socapa, pela calada da noite. Há um pormenor de tréguas combinadas e quebradas que não está muito claro. Depois de ter consultado várias fontes, dei a seguinte versão no meu romance: o início de Março seria ainda tempo de tréguas, pois havia uma espécie de pacto (não escrito) entre cristãos e mouros de como os ataques de parte a parte só se davam a partir da Primavera. Na sexta-feira, 13 de Março, em que os portugueses já se encontravam às portas de Santarém, Afonso Henriques manda um emissário ao alcaide, a anunciar-lhe que rompia as tréguas por dois dias, ou seja, anunciava-lhe que atacaria a cidade naquele dia, ou no sábado. Mas não o fez, Santarém só foi atacada na noite de sábado para domingo.

E qual seria o objectivo de tal comportamento? Um dos espiões que o rei enviou a Santarém, no sábado, a fim de auscultarem a situação, explicou o que se passava na cidade:


- Contando com um ataque, o alcaide de Santarém encheu o adarve de sentinelas e ordenou aos seus homens que se mantivessem em alerta máximo. Mas agora, que se aproxima o pôr-do-sol do segundo dia, pondo fim ao prazo do rompimento das tréguas, os mouros começam a especular sobre as razões que teriam levado Ibn Errik a desistir da ofensiva. Espalhou-se o rumor que el-rei contava com reforços que não surgiram, o que nos leva a pensar que espiões mouros tivessem avistado o nosso exército e o achassem pequeno. De qualquer maneira, foi cancelado o alerta máximo. E os correligionários de Mem Ramires, moçárabes dos arrabaldes, não darão alarme, quando se aperceberem do nosso ataque.

Ou seja: Afonso Henriques, além de atacar a cidade durante a noite (que ia contra o codex da cavalaria) fê-lo numa noite em que a vigilância estaria aliviada, pois terminara o prazo do rompimento das tréguas.



Antes do ataque, o discurso do rei:


À luz ténue do crepúsculo, Afonso falou aos seus guerreiros, pedindo-lhes coragem e empenho. Lembrou-lhes que os mouros, partindo de Santarém, constantemente assolavam os arredores de Coimbra, chacinavam as guarnições de Leiria e de Tomar e faziam inúmeros cativos. Disse-lhes ainda que bem podia ter convocado o resto do exército para esta operação, mas que não o fizera, porque eram eles, os guerreiros das milícias vilãs, que tinham direito a esta vingança. Mais do que ninguém, tinham já sofrido na pele as razias dos almorávidas, perdido familiares e amigos. Chamou-lhes “companheiros de luta” e “de armas”, mostrando que os considerava tanto como à nobreza do norte, o que encheu aqueles cavaleiros sem pergaminhos de orgulho. E Afonso ainda jurou, perante eles e Deus:
- Se tiver que morrer este ano, sem conseguir conquistar Santarém, escolho então morrer esta noite!

Dá-se como provado que Afonso Henriques disse esta última frase. O que, além de entusiasmar os guerreiros, denota o seu forte poder de resolução e a sua coragem para o risco, um aspecto do seu carácter que tornará a transparecer em Lisboa.

3 de julho de 2011

Conquista de Santarém I - Os Preliminares

Foi com a conquista de Santarém, a 15 de Março de 1147, que D. Afonso Henriques iniciou verdadeiramente o alargamento do território para sul. Já havia mandado construir o castelo de Leiria e colocado um contingente em Tomar, locais que, no entanto, se situavam na chamada "terra de ninguém". E, apesar de a vitória na Batalha de Ourique ter sido importantíssima para a sua fama de guerreiro, não proporcionou a conquista de um palmo de terra que fosse.

A conquista de Santarém foi levada a cabo usando métodos menos honrosos, que não estavam de acordo com o codex da cavalaria da época (com o termo "cavalaria" refiro-me ao mundo do cavaleiro nobre medieval). Também é verdade, porém, que os combates inseridos na Reconquista hispânica adquiriram contornos muito próprios. Os monarcas, e o próprio imperador Afonso VII, serviam-se de subterfúgios usados pelos cavaleiros vilãos, nas suas razias em terras de mouros.

Cavaleiros vilãos eram aqueles que, apesar de serem proprietários de terras, o que lhes proporcionava riqueza suficiente para lutarem a cavalo, não possuíam origem nobre. Depois da Batalha de São Mamede, Afonso Henriques mudou-se para Coimbra e nota-se um certo esforço da sua parte para se distanciar da poderosa nobreza de Entre Douro e Minho, exceptuando certas famílias que lhe eram mais chegadas. Talvez por recear que alguns desses nobres se lhe tornassem perigosos. O facto é que há uma aproximação aos cavaleiros vilãos dos concelhos a sul do Douro, cuja lealdade era mais fácil de obter.



Esta opção de Afonso Henriques por métodos menos aconselháveis de conquista poderá ter tido a ver com a pressão sentida. Ele já saberia que os cruzados, que o haveriam de ajudar a tomar Lisboa, chegariam nesse Verão. Mas Lisboa seria muito mais fácil de conquistar, se Santarém já estivesse em mãos portuguesas. Por um lado, os mouros de Lisboa não poderiam contar com reforços vindos daquele lado; por outro, seriam os portugueses que controlariam o tráfego no rio Tejo.

A conquista de Santarém teria, por isso, de ser rápida, não havia tempo para cercos demorados. E os cavaleiros vilãos eram especialistas em penetrar em castelos e povoações à socapa, pela calada da noite. Faltava saber se esse método permitiria conquistar uma cidade com a envergadura de Santarém.

Não se sabe bem como a operação foi preparada, mas está provado que Afonso Henriques fez muito segredo dela. D. Lourenço Viegas Espadeiro (filho de D. Egas Moniz), D. Gonçalo Mendes Sousão e D. Fernão Peres Cativo, todos grandes amigos do rei, foram os únicos barões a quem ele confiou os seus planos.


            Aos três amigos, o monarca anunciou:
            - Chegou a altura de vos expor o plano de ataque a Santarém.
- Já há um plano? - admirou-se Lourenço.
- A expedição terá lugar daqui a um par de semanas - explicou o rei. - Combinei tudo com os cavaleiros de Coimbra, os cavaleiros vilãos dos concelhos e os Templários de Soure.
            Os três entreolharam-se estupefactos. Gonçalo ironizou:
            - Mas que honra que nos conferis, a mim e a D. Lourenço! Entre a nobreza do norte, somos os primeiros a ser informados.
            - Sois os primeiros e sereis os únicos - ripostou Afonso, que já contara com uma reacção daquele tipo.
Como representante de uma das famílias mais poderosas de Entre Douro e Minho, era natural que o Sousão se sentisse, por um lado, ofendido por não ter colaborado na execução do plano, por outro, desconfiado por não ver ali os outros barões. Na verdade, Afonso tinha hesitado em convocá-lo. Mas Gonçalo Mendes iniciara-o na arte de combater, contribuindo, como poucos, para fazer dele um guerreiro. Além disso, tinha sido genro de Egas Moniz, ao ter casado com a entretanto falecida Dórdia Viegas, e a filha de ambos, Teresa Gonçalves, fazia parte do círculo restrito da rainha.
            - Trata-se de um ataque surpresa - esclareceu o rei. - Quanto menos gente ficar a saber, melhor. A penetração na cidade acontecerá durante a noite, bem à maneira das milícias vilãs, que usam este truque nos seus fossados. Os barões do norte dificilmente aceitariam em participar num empreendimento deste tipo.
            - Tendes de concordar - atalhou Lourenço - que não é uma maneira muito nobre de fazer guerra.
- Mas necessária, neste caso. A conquista de Santarém é imprescindível para que tenhamos sucesso no ataque a Lisboa, pois permite-nos controlar o Tejo e cortar o abastecimento. E tudo terá de ser resolvido, antes da chegada dos cruzados.

...
- As povoações de fronteira usam subterfúgios destes, nos seus ataques aos mouros. Truques, aliás, que aprenderam com os próprios infiéis. No fundo, aprenderam uns com os outros, pois constantemente se fazem razias de parte a parte. E esqueceis que o meu próprio primo, o imperador de toda a Hispânia, se serviu de um ataque surpresa em Calatrava, há coisa de um mês, em pleno Inverno, altura normalmente reservada às tréguas? Foi bem sucedido e a Cristandade aplaude. Também a conquista de Santarém representará uma vitória de cruzada, que o próprio Papa reconhecerá.
Depois de um curto silêncio, Lourenço perguntou:
- Falastes dos Templários de Soure. Eles já deram o seu acordo?
- Claro. Estão desejosos de vingar o ataque de há três anos. Conseguiram salvar o castelo, mas os mouros devastaram a região.

...
Afonso deu-lhes mais algum tempo de reflexão e inquiriu, depois:
- Achais que ides manchar a vossa honra, lutando ao lado das milícias vilãs, mesmo quando o vosso próprio rei não hesita em fazê-lo?
- Certamente que não - replicou Fernão Peres Cativo. - Sabeis que podeis contar comigo, para o que der e vier.
- Comigo também - anunciou Lourenço, filho de Egas Moniz. - Sois como um irmão para mim e ser-vos-ei fiel até ao meu último suspiro.
Afonso olhou-o emocionado. E também o Sousão acabou por lhe confirmar a sua fidelidade.

2 de julho de 2011

Damasquinados de Toledo

Primeiro, gravam-se os desenhos no metal, de cor preta. Depois, incrusta-se lá fio de ouro (por vezes, também de prata). Na tradição de Toledo, misturam-se três religiões: o Judaísmo, o Cristianismo e o Islão, como se nota, nestas peças de arte. Deleitem-se!









1 de julho de 2011

Só publico esta imagem...



... por causa do cãozinho, claro! É um Jack Russell Terrier como a Lucy. E já repararam no seu olhar terno e fiel?

Há dias, li num livro (alemão) sobre cães o seguinte: "Quem não acredita que os cães tenham alma, que repare nos olhares das criaturas fechadas num canil."

Há uns anos, vi um programa na televisão, em que um pintor, que tinha os seus cães sempre perto de si, disse: "Se acredito que os cães, quando morrem, vão para o céu? Claro! Eu não consigo imaginar o Paraíso sem cães. E os que lá estão, têm de vir de algum lado."

(Imagem encontrada no Blogtailors)

Portugal no seu Melhor # 2


Alentejo, Verão 2010